“Quem disser que a docência é fácil nunca viveu numa sala de aula”

No Dia Mundial do Professor, Jorge Tavares, director do Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo, fala com a serenidade de quem há vinte anos conduz uma comunidade educativa e com o idealismo de quem ainda vê na profissão uma forma de resistência. Reconduzido no cargo até 2029, o professor reflecte sobre o papel social dos docentes, a perda de prestígio, os desafios da sala de aula e a paixão que resiste ao cansaço.
Jorge Tavares dirige o Agrupamento de Escolas Marcelino Mesquita do Cartaxo desde 2005. Em Julho deste ano foi reconduzido para mais um mandato, até 2029. Duas décadas depois, mantém a mesma convicção de que ensinar é muito mais do que transmitir conhecimento, é, como diz, “romper os dias que empurram para as desigualdades”.
“O Dia Mundial do Professor não existia se não fosse necessário o rio sair das margens”, afirma, numa metáfora que reflecte bem o seu modo de ver o ensino, como uma luta constante contra a apatia e as injustiças. Para o docente, os professores “têm muitas vidas dentro deles para cuidar” e “são os abraços que não cabem nas molduras”. Apesar da sobrecarga e da exigência emocional, Jorge Tavares acredita que essa multiplicidade de papéis, de educadores, confidentes e mediadores sociais, “enriquece mais do que desgasta” a profissão.
Sobre o declínio do prestígio docente, o director é parco em explicações, preferindo a linguagem simbólica. “Dias outonais foram-se sucedendo. O tempo foi-nos perdendo com a luz ainda em estado pueril”, refere. A desvalorização, reconhece, é um processo lento e difícil de inverter.
Quanto aos desafios, identifica os sociais como os mais determinantes. “Os alunos estão em cada dia à nossa porta. Às vezes, não conseguimos ser mais que deserto. Outras vezes, somos água”, afirma. Essa oscilação entre a falta e a esperança é, diz, parte essencial do ofício. Admite que a autoridade e o respeito nem sempre se impõem. “Quem disser que a docência é fácil nunca viveu numa sala de aula. São dias descalços, de esvaziar as certezas aprendidas. Sobra a alma imensa”, considera.
Questionado sobre se os professores estão preparados para lidar com as desigualdades sociais e os problemas familiares dos alunos, responde com a serenidade de quem aprendeu a ouvir. “Os professores têm a delicadeza de quem fica. De quem fecha os dias incompletos dos alunos”. Ainda assim, reconhece que “nunca se está totalmente preparado”, apenas “fica a vontade de ser rio”.
A paixão pela profissão, garante, sobrevive ao peso dos dias. “É a embriaguez dos sonhos. Dos sonhos adolescentes e a vida precisa de sonhos”. Mas nem tudo é sonho. A instabilidade na colocação de professores e a falta de docentes são feridas abertas no sistema educativo. “A instabilidade está na partida de uma escola onde se tinha acabado de chegar. Só professores felizes dão felicidade a alunos e famílias”, vinca.
Quanto ao futuro, acredita que a escola precisa de acompanhar o ritmo da tecnologia, mas sem perder o essencial. “Os olhos envelhecem quando se luta contra moinhos. Corre-se para outro tempo. O tempo dos Centros Tecnológicos Especializados. A fonte fica maior quando a acrescentamos”.
No final da conversa, vinca uma mensagem à sociedade, lembrando que “o professor é o rio onde a ave bebe. O Dia Mundial do Professor poderia ser a 21 de Março. Dia da Poesia”. É nesse cruzamento entre a técnica e a ternura, entre o rigor e a palavra, que Jorge Tavares encontra o sentido da profissão que escolheu há mais de três décadas.