Associação Alzheimer nunca teve tantos pedidos de apoio no distrito de Santarém

O Núcleo do Ribatejo da Associação Alzheimer Portugal, sediado em Almeirim, está a registar um aumento inédito de pedidos de apoio de pessoas com demência e respectivas famílias em todo o distrito de Santarém. A directora técnica, Filipa Gomes, alerta para a falta de recursos, a sobrecarga dos cuidadores e defende uma mudança de paradigma no apoio domiciliário.
A demência é cada vez mais um problema de saúde pública e no Ribatejo a realidade não foge à regra. A confirmação é dada por Filipa Gomes, psicóloga clínica e directora do Núcleo do Ribatejo da Associação Alzheimer Portugal, que fundou a estrutura em 2004, em Almeirim, e há 21 anos acompanha de perto o impacto da doença no distrito de Santarém. “Nunca como agora tivemos tantos pedidos de apoio. Este último ano foi um verdadeiro boom em todos os concelhos”, sublinha a responsável.
Apesar de não existirem dados estatísticos oficiais que permitam calcular a prevalência de pessoas com demência na região, o contacto directo com a população dá-lhe a percepção de que a doença está a crescer. “A pergunta sobre quantos doentes há no Ribatejo fazem-ma há 21 anos e continuo sem resposta. Há muitos casos suspeitos que nunca chegam a diagnóstico formal. Se todos fossem diagnosticados, os números aumentariam imenso”, explica.
Para responder à dimensão do distrito, a associação optou por um modelo descentralizado. Em vez de concentrar o atendimento em Almeirim, criou uma rede de gabinetes em vários concelhos, em parceria com os municípios. A equipa desloca-se mensalmente a esses gabinetes e apoia a população local. Foi a forma encontrada para chegar a quem não tem transportes ou disponibilidade para se deslocar até à associação.
A directora acredita que a procura crescente resulta também de dois factores, nomeadamente uma maior atenção dos médicos para os sinais de demência, com diagnósticos mais frequentes, e uma mudança cultural. “Antigamente havia vergonha, as famílias escondiam. Hoje já pedem ajuda com mais facilidade. A nova geração de filhos e netos tem mais literacia, pesquisa informação na internet e procura apoio para os pais e avós”, aponta Filipa Gomes.
O retrato, contudo, continua marcado por enormes dificuldades. A demência afecta toda a família. Muda a dinâmica, obriga à inversão de papéis, sobrecarrega os cuidadores que passam a ter cuidados 24 horas por dia. “E tudo isto sem recursos adequados”, lamenta.
As consultas de especialidade no Serviço Nacional de Saúde demoram meses, faltam serviços de apoio psicológico, grupos de ajuda mútua ou formação dirigida a cuidadores informais. A responsável garante que é muito difícil, que existe um desgaste enorme de quem cuida. A falta de respostas agrava ainda mais esse peso.
Para contrariar esta realidade, o núcleo candidatou-se aos prémios da Fundação Calouste Gulbenkian e foi distinguido com financiamento para o projecto Rostos, que será desenvolvido em vários concelhos do distrito ao longo de dois anos. A iniciativa vai intervir directamente nas famílias, através de planos personalizados. A pessoa com demência poderá ter estimulação cognitiva ou musicoterapia, o cuidador poderá beneficiar de sessões de relaxamento ou coaching. Até os netos, que muitas vezes lidam diariamente com os avós, terão sessões específicas para aprender a compreender a doença, explica a directora. “Trata-se de um projecto que entusiasma porque se foca na família como um todo. O objectivo é melhorar a qualidade de vida de todos os envolvidos”, acrescenta.
Apoio domiciliário insuficiente e estratégia nacional por implementar
A dirigente lembra que a União Europeia recomenda que as pessoas com demência permaneçam o máximo de tempo possível nas suas próprias casas, em vez de serem institucionalizadas. “Mas para isso é preciso reforçar muito o apoio domiciliário. O modelo actual é claramente insuficiente para responder às necessidades desta população”, alerta.
Portugal dispõe de uma estratégia nacional de saúde para as demências, que prevê um percurso integrado de cuidados desde os centros de saúde aos hospitais, mas que, segundo Filipa Gomes, continua sem aplicação prática. “Está tudo definido, só falta implementar. No terreno os apoios são muito escassos”, lamenta, lembrando ainda que o Instituto do Cuidador prevê medidas de suporte aos familiares, mas que também não se fazem sentir de forma eficaz.
A Associação Alzheimer tem apostado igualmente na sensibilização e formação de profissionais de saúde e técnicos de instituições, sempre a partir da experiência prática acumulada. Não se trata apenas de teoria, mas daquilo que se faz no dia-a-dia. “É preciso mudar o paradigma dos cuidados, respeitando direitos, histórias de vida e apostando na humanização”, defende.
Boas práticas na região
Apesar das carências, começam a surgir boas práticas na região. Em Pernes existe uma pequena unidade especializada em pessoas com demência, alinhada com a abordagem centrada no doente defendida pela associação. Em Fátima, o Centro Bento XVI integra a rede de cuidados continuados com respostas específicas e, no Médio Tejo, há projectos focados na formação e sensibilização de técnicos e cuidadores.