Família da Merceana alerta para falta de formação nas escolas para lidar com diabetes tipo 1

O caso de Tomás, diagnosticado com diabetes tipo 1 aos seis anos, expõe lacunas no acompanhamento escolar a crianças com doenças crónicas. A mãe, Joana Ferreira, pede mais formação para docentes e auxiliares e políticas de verdadeira inclusão.
Quando o filho começou a perder peso, a beber muita água e a urinar na cama, Joana Ferreira associou os sintomas à operação que a criança, na altura com seis anos, tinha feito a duas hérnias, uma umbilical e outra inguinal. Mas, no dia 13 de Maio deste ano, recebeu a notícia de que o Tomás tinha diabetes tipo 1, ou seja, é insulino-dependente. O pai foi buscá-lo nesse dia à escola, depois de alertado pela educadora, e no hospital CUF Descobertas recebeu o diagnóstico, uma vez que nos hospitais públicos só havia vaga no dia seguinte e os valores de glicemia já estavam acima dos 800.
Joana Ferreira reside com o filho Tomás, outro filho de dois anos e o pai das crianças, na Merceana, concelho de Alenquer. Não tem historial de diabetes na família e, por isso, foi um choque saber que o filho, em tão tenra idade, padece desta doença. “O primeiro pediatra que falou connosco na CUF perguntou-nos se ele tinha tido Covid. E nós dissemos que sim, duas vezes. Na altura, ele disse que não existiam estudos suficientes, mas que podia estar relacionado com o facto de a Covid ter fragilizado ainda mais o pâncreas do Tomás”, explicou a O MIRANTE.
Na noite em que recebeu o diagnóstico, Joana Ferreira não dormiu e ficou a ler as publicações que lhe deram na unidade hospitalar, onde ficou a saber o que eram as hipoglicemias e as hiperglicemias. Apontou as dúvidas que tinha e aprendeu a administrar insulina ao filho com a caneta logo na manhã seguinte.
Falta de formação nas escolas
A adaptação da família a uma nova vida, com diabetes, não foi fácil. Na altura, o Tomás frequentava a EB1/JI da Merceana, onde ninguém tinha formação para administrar insulina ao menino. Joana Ferreira tinha de abandonar o local de trabalho para ir à escola injectar insulina ao filho, e o pai também, quando trabalhava no turno da noite. Este ano, o Tomás entrou para o primeiro ano na Escola Básica do Paiol, na Aldeia Galega da Merceana, já com uma bomba de insulina, um equipamento que pode custar cerca de 10 mil euros, mas que foi comparticipado. “É fazer a pesagem dos alimentos, saber quantos hidratos é que têm, insere-se na bomba e a própria bomba é que define quanto vai dar de insulina, porque ele tem uma cânula ligada a um catéter que está sempre espetado, ou na barriga ou na nádega, e através da cânula a insulina entra no organismo”, explica.
Joana Ferreira especializou-se na área da diabetes através da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) e deu formação às auxiliares da escola do Paiol para administrarem insulina ao filho e a outras crianças na mesma condição. No mesmo agrupamento existiam, pelo menos, mais dois alunos na mesma situação.
Luta pela inclusão
Joana Ferreira recorda as semanas em que o filho tinha crises de hipoglicemia constantes na escola e em que a ambulância foi chamada várias vezes, algumas sem motivo. Na altura, pediu ajuda à vereadora da Educação na Câmara de Alenquer, Cláudia Luís, mas acabou por ser apoiada pela Associação de Diabéticos do Concelho de Alenquer e por uma enfermeira, que reuniram com a escola. “Das nove da manhã à uma da tarde, eu recebia mais de 30 chamadas da escola. Ele estava numa hipoglicemia de 50 e eu tinha de ir lá. Só quando, em Julho, tivemos a reunião e realmente falaram com as auxiliares, é que as coisas melhoraram”, refere.
Outro ponto sensível na diabetes é a alimentação, e o Tomás tem de seguir o plano da nutricionista da APDP. Neste campo, as dificuldades mantêm-se, uma vez que a escola não fornece iogurtes magros (são os pais que os levam) e, após o almoço, em alguns dias, a opção para os alunos são iogurtes açucarados ou fruta. “Ficou implícito que se o Tomás, no dia do iogurte ao almoço, come uma peça de fruta, quando vem gelatina ou mousse de chocolate noutros dias, o menino não pode comer igual aos outros, tem de comer sempre uma peça de fruta. Isso não é justo nem é inclusão”, defende.
A diabetes do tipo 1 não tem cura e não é reversível, ou seja, é uma doença crónica. Joana Ferreira defende, por isso, que é preciso apostar na formação nas escolas e na inclusão destas crianças, bem como sensibilizar pais, alunos e professores. “Na escola do Paiol cheguei a ter de ir buscar o Tomás, porque os meninos gozavam com o facto de ele levar injecções. Não têm noção. Há noites em que durmo três horas por causa dos picos de glicemia. Felizmente, neste ano lectivo, tenho uma boa equipa com o meu filho, três auxiliares fantásticas”, sublinha.
Governo definiu regras para apoiar alunos com diabetes
O Governo regulamentou, em 2018, as medidas de apoio às crianças e jovens com diabetes tipo 1 (DM1) na escola. Num despacho conjunto do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde, publicado em 2019, ficou estabelecido o compromisso de formar equipas de saúde escolar que, por sua vez, devem dar formação a profissionais das escolas para responderem a casos de alunos sinalizados com DM1, bem como capacitar, através de acções de sensibilização, toda a comunidade educativa. De acordo com a APDP, estima-se que em Portugal existam mais de 30 mil pessoas que vivem com diabetes tipo 1. Destas, cerca de 5 mil são crianças e jovens.
José Lança, presidente da Associação de Diabéticos do Concelho de Alenquer, explica que, sempre que surgem casos como o do Tomás, são realizadas acções de sensibilização nas escolas e junto dos corpos docentes. Em colaboração com as equipas de enfermagem da Unidade Local de Saúde, é ensinado às auxiliares de educação como devem agir com uma criança com diabetes e como administrar a insulina.