Sociedade | 21-10-2025 07:00

Saúde mental: pedir ajuda não é um sinal de fraqueza

Saúde mental: pedir ajuda não é um sinal de fraqueza
A directora do Serviço de Psiquiatria, Paula Pinheiro, com a enfermeira Carla Ferreira, a directora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Nazaré Matos, e a directora do Serviço de Psicologia, Ana Castelo - foto O MIRANTE

Tratar uma doença mental é tão importante como engessar uma perna partida. Mas, talvez por ser invisível aos olhos, continua a ser alvo de preconceito e os pedidos de ajuda associados a fraqueza. Para assinalar o Dia Internacional da Saúde Mental, O MIRANTE esteve à conversa com elementos das equipas dos departamentos de psiquiatria e psicologia da ULS Lezíria.

Desenvolver uma doença mental não é algo que aconteça só aos outros. Estima-se que em Portugal uma em cada cinco pessoas (23%) possa sofrer com alguma perturbação psiquiátrica. A depressão é a mais comum mas há muitas outras, como a esquizofrenia e outras psicoses. E não são raras as pessoas que adiam a procura de cuidados de saúde. “A doença às vezes confunde-se, pelo próprio e pelos que estão à sua volta, “com falta de vontade, com dificuldades de desempenho, dificuldade de adaptação a situações novas”, começa por explicar a directora do Serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde (ULS) Lezíria, Paula Pinheiro, numa conversa a propósito do Dia Internacional da Saúde Mental que se assinala a 10 de Outubro.
Há também o medo que “está muito presente na doença mental grave” - que geralmente se desenvolve no início da vida adulta - com o doente a passar por uma experiência que nunca viveu antes. “A pessoa “não se sente a mesma, acha-se estranha, não sente que a realidade seja a mesma. Começa a desconfiar das pessoas que estão à sua volta, muitas vezes dos próprios pais, das pessoas que convivem com ela dentro de casa. Há dificuldade em ter consciência do patológico”. Ou seja, em perceber que se está doente. Também o preconceito que ainda existe em relação à doença mental pode contribuir para o adiamento na procura de cuidados, continuando a haver a ideia de que “quem pede ajuda é fraco” e que “o psiquiatra é para gente doida e o psicólogo igual”, sublinha a psicóloga e directora do Serviço de Psicologia, Ana Castelo.
“A pessoa associa à fraqueza e tem este receio do que é que os outros vão dizer ou pensar”, afirma, lamentando que leve, nalguns casos, a que a doença escale para estágios mais graves, com sintomatologia que se torna incapacitante. “Se se começa a sentir ansiedade e não se trata poderá avançar e levar a que se tenha ataques de pânico que incapacitam de sair de casa, de conduzir e trabalhar”, alerta, considerando que o tratamento precoce é fundamental e sem esquecer que levá-lo até ao fim é crucial para não se ter uma recidiva.
A ULS Lezíria do Tejo, que se prepara para investir 2,07 milhões de euros, financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), para a ampliação e requalificação do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Distrital de Santarém, dispõe de serviços de consulta externa, internamento (20 camas) e uma equipa comunitária direccionada para as doenças mentais em adultos e de uma Unidade de Psiquiatria da Infância e da Adolescência. Nesta, refere a coordenadora Nazaré Matos, o problema mais frequente são as perturbações da hiperactividade com défice de atenção e as perturbações depressivas.
Sobre os internamentos, o que se espera é que sejam sempre de curta duração. “O projecto para o doente nunca é ficar internado, é ter alta e poder retomar a sua vida”, salienta Paula Pinheiro, acrescentando que quem está internado é porque está a passar pela fase aguda da doença, a de maior vulnerabilidade. Além de poderem frequentar o terraço exterior dessa ala de internamento, há utentes que começam a sair aos poucos dela, acompanhados por uma terapeuta ocupacional. “Vão beber café, vão à missa... até terem alta e poderem começar a frequentar o hospital de dia onde já estão em contacto com a comunidade”, descreve.
Paula Pinheiro lamenta que não haja espaço nem condições para que as mães que precisam de internamento psiquiátrico possam ter os bebés junto a si na enfermaria. Além de ser mista, tem internadas pessoas com “doença mental aguda e grave e, portanto, não é aconselhável a permanência de um bebé indefeso”. Nestes casos, e na impossibilidade de o bebé ficar com o pai ou outro familiar, explica, pode ser internado na neonatologia ou pediatria, estando a mãe autorizada a visitá-lo.

Vulnerabilidade genética ligada ao aparecimento de doença mental
A psiquiatra responsável pela triagem dos pedidos de primeiras consultas, Paula Pinheiro, explica que para o desenvolvimento destas doenças “existem sempre dois factores: a vulnerabilidade genética hereditária e o meio social”. É por isso, prossegue, que há famílias onde vários elementos sofrem, por exemplo, de ansiedade. “Neste caso, a boa notícia é que a ansiedade é das poucas doenças que melhora com a idade porque a pessoa vai aprendendo a lidar” com os sintomas, sendo muito importante a abordagem psicológica e as psicoterapias. No entanto, esclarecem, a ansiedade e o stress fazem parte da vida e são benéficos para o aumento do desempenho, mas até certo ponto, sendo importante perceber quando começam a ter o efeito contrário.
Desenvolver uma doença psiquiátrica não escolhe idades nem estratos sociais, mas há momentos da vida que fazem com que haja maior predisposição ao seu aparecimento. E todos eles estão associados a mudanças sejam elas negativas, como a perda de um familiar ou de emprego, ou positivas, como o nascimento de um bebé ou o casamento. “Os momentos que trazem muita felicidade também exigem capacidade de adaptação porque trazem mudança e stress”, explica Ana Castelo, acrescentando que a pessoa pode não dispor de recursos para lidar com essas mudanças.

Ansiolíticos não tratam, apenas viciam

Portugal é o quinto país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que mais consome ansiolíticos e antidepressivos, atingindo já uma taxa que duplica a de países como Holanda e Itália. Questionada sobre este dado, Paula Pinheiro refere que os ansiolíticos (benzodiazepinas) “não tratam nada, apenas reduzem a sintomatologia”. Ou seja, “passado o tempo do efeito volta exactamente a sintomatologia como estava anteriormente. Portanto, não tratou nada com dois grandes prejuízos: a dependência”, ao ponto de a pessoa achar “que já não consegue passar sem aquela substância” e “a tolerância”, com a necessidade de aumento da dosagem com o passar do tempo.
“Temos que parar este ciclo. Benzodiazepina não é tratamento para nada, é como os analgésicos não tratam nada, apenas reduzem a dor. Temos que tratar a causa da dor. Os ansiolíticos reduzem a ansiedade. Temos que tratar a causa da ansiedade com outro tipo de fármacos”, defende. Já a utilização de anti-depressivos, diz, se forem correctamente usados na dose e tempo indicados são positivos ao tratamento de doença psiquiátrica.

Mulheres procuram mais ajuda

Segundo Paula Pinheiro, sabe-se que “a depressão é mais frequente na mulher do que no homem” em parte porque as mulheres procuram mais ajuda. Já as “formas mais graves e particularmente as ideações suicidas e os suicídios consumados são mais frequentes nos homens”. Provavelmente porque, considera, “não procuraram ajuda” e quando “a doença é manifesta já está numa fase muito avançada”. A depressão, explica, é uma doença muito prevalente na população - 30% da população já sofreu um episódio depressivo ao longo da vida -, mas só começa a ser considerada doença mental grave quando tem risco de suicídio.

Tratamento não deve ser inferior a um ano

Questionada sobre se a depressão tem ou não tem cura, a psiquiatra refere que através de tratamento adequado “é possível a cura”. Não podem, no entanto, ser ignorados dois conceitos que acompanham esta doença: a recaída e a recidiva. O primeiro, explica, acontece quando o episódio depressivo está a ser tratado e surge uma recaída que pode ser associada ou não à interrupção do tratamento que, defende, “nunca deve ser inferior a um ano”.
Feito o tratamento e a redução gradual da dosagem da medicação, o chamado desmame, não evita que a pessoa volte, passado algum tempo, a ter outro episódio depressivo. E não tem de haver sempre um motivo que explique a recidiva. “Muitas vezes as pessoas chegam à consulta e dizem que estão outra vez em baixo, mas que não têm razão nenhuma porque está tudo a correr bem. E não precisam de ter”, reforça.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal