Sociedade | 28-10-2025

A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres

1 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
2 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
3 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
4 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
5 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
6 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
7 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres
8 / 8
A dureza do trabalho no campo pelas mãos de duas mulheres

Paula Custódio trabalha na agricultura desde os 11 anos e não aceita ganhar menos do que o género oposto. Aos 77 anos, os dias de Maria do Carmo Oliveira continuam a ser passados a amanhar a terra. Uma é de Aveiras de Cima, a outra de Tomar. Une-as o sonho perdido de terem ido mais longe nos estudos e a simplicidade própria de quem tem levado uma vida dura de trabalho.

Antes das sete da manhã, Paula Custódio já está de pé a comer dois pratos de sopa. Espera-a um longo dia de trabalho no campo. De avental a passar-lhe os joelhos e lenço amarrado à cabeça, preso por dois ganchos, é a única mulher do grupo que por estes dias se dedica a apanhar a azeitona numa herdade em Almoster, Santarém. Antes foi tempo de vindimar, apanhar peras, podar, entre outras tarefas sazonais que juntas lhe asseguram trabalho no campo durante o ano inteiro. Na terra há, como diz, sempre que fazer, embora seja cada vez mais difícil haver quem a acompanhe, sobretudo gente nova.
Aos 60 anos, continuam a ser poucas as vezes que fica doente, raramente de cama. No ano passado só parou de trabalhar um dia e foi por causa da chuva intensa que caía. “Graças a Deus não me dói nada, não tenho dores nem me sinto cansada. Há um mês fiquei com este dedo torto, mas não me dói”, diz enquanto tira a luva da mão. As unhas, ou melhor, parte delas, estão pintadas de vermelho. Gosta de as ter arranjadas, mas com tanto trabalho não tem “tido vagar para as ir fazer”. E também gosta de se maquilhar, arranjar o cabelo, vestir-se bem e completar o visual com fios de ouro ao pescoço e anéis nos dedos que, como as mãos, têm o toque áspero próprio do trabalho.
Nasceu em Aveiras de Cima, concelho de Azambuja, numa casa de muitos filhos - uma dúzia mais propriamente - e todos tinham de ajudar. Uns mais ilibados que outros das tarefas no campo, tiveram a oportunidade de poder prosseguir os estudos até à quarta classe, mas Paula não. Ficou-se pelo segundo ano, a saber juntar apenas algumas das letras do alfabeto. Sabe escrever o nome que, como diz, é o mais importante para poder assinar documentos. Consegue ler “algumas coisas” mas não à velocidade com que passam as legendas dos filmes na televisão, o que a obriga a tentar perceber o enredo sem propriamente perceber o que dizem, geralmente em inglês.
Criou três filhos, mas todos estão emigrados, um em França e dois na Suíça. São a desculpa perfeita para gozar uns dias de descanso do “trabalho duro no campo” e conhecer outras culturas e realidades sempre que os visita, pelo menos uns oito dias por ano. Também os acompanha à praia, quando são eles a voltar para passar férias no país de origem. Em Cascais ou em Peniche, Paula estende-se ao sol e permite-se relaxar enquanto tenta que a cor do resto do corpo se aproxime da que tem no rosto e nos braços que andam quase todo o ano a descoberto no campo.
Paula Custódio chegou a experimentar outros trabalhos. Foi coveira no cemitério de Aveiras de Cima e funcionária fabril, mas é na agricultura que gosta de trabalhar pela liberdade que sente. “Levo uma vida difícil de trabalho. O trabalho no campo é muito duro e às vezes mal pago. É conforme os patrões”, diz de forma taxativa ao mesmo tempo que se baixa para apanhar um ramo de oliveira sem dobrar as pernas, dando provas de que é dona de uma boa flexibilidade. Depois acrescenta: “fui criada no campo e trabalho à enxada se for preciso; não tenho medo nenhum de trabalhar ao pé de qualquer homem, e se algum me faltar ao respeito, respondo-lhe à letra”. Embora as funções que desempenha sejam por vezes diferentes das dos seus colegas, o que não quer dizer que sejam mais leves ou menos cansativas, recebe o mesmo que eles. O valor varia entre 50 a 60 euros por dia. Ao almoço também come o mesmo que os homens e acompanha-os nuns copos de vinho, essenciais, justifica, “para ganhar forças” e terminar o dia de trabalho que, por essa hora, já vai longo.
Na vida teve alguns infortúnios. Casada e com filhos a cargo, foi durante muito tempo o sustento da casa depois de o marido ter sofrido amputação de uma perna por causa da diabetes. Sem capacidade física para a poder acompanhar no trabalho no campo, era ele quem ficava em casa a tomar conta das crianças quando era preciso. Aos quarenta e poucos anos ficou viúva. Com os filhos fora do país encontrava no trabalho um escape para a solidão, mas há cinco anos resolveu dar uma oportunidade ao amor e mudou de vida. Agora vive em Manique do Intendente com o companheiro, que também é seu colega de trabalho.

A obrigação de ajudar, na infância, ao sustento da família
Em Tomar, O MIRANTE foi ao encontro de Maria do Carmo Oliveira, 77 anos, que sempre trabalhou no campo. Viúva e mãe de duas filhas, passa os dias a tratar da horta que tem em casa, dedicando-se especialmente à apanha de azeitona. Recorda que nasceu e cresceu no campo, numa casa próxima daquela onde vive actualmente, em Juncais de Baixo. “Em pequena já ajudava muito os meus pais no campo, lembro-me de ajudar na apanha da azeitona e dos figos”, refere. Andou na escola apenas até à quarta classe e fartou-se de chorar no último dia de aulas porque queria continuar a estudar, mas o seu pai defendia que era mais importante trabalhar. Passou toda a infância e juventude no campo, acompanhada dos pais e de oito irmãos. Aos 18 anos casou e aos 19 teve a primeira filha.
Maria do Carmo Oliveira diz que trabalha muito no campo. Na horta planta couves e semeia batatas e feijão, entre outros produtos. Tem também um lagar, que herdou do pai. “Funciona como um negócio para mim, começou pelo meu pai e agora sou eu quem está à frente. O lagar encontra-se em Sabacheira, costumo lá ir com muita frequência”, explica. A apanha da azeitona ainda é uma das actividades preferidas de Maria do Carmo Oliveira, embora a idade já comece a pesar fisicamente. “Tenho muitas dificuldades na coluna e joelhos, custa-me muito a andar, mas ficar em casa não é opção”, frisa.
A agricultora de 77 anos levanta-se sempre cedo, com o nascer do sol. Trata dos afazeres de casa e vai para o campo, onde passa a maior parte dos dias. Só regressa a casa já de noite, não tendo hora para deitar. “Ontem deitei-me à meia-noite porque ainda estive a debulhar feijão”, conta. Maria do Carmo Oliveira vendeu produtos da sua horta no Mercado Municipal de Tomar durante muitos anos. Deixou a venda quando o marido faleceu, mas confessa que tem saudades desses tempos. Actualmente, faz apenas negócio com o lagar. Maria do Carmo Oliveira, que deixou para trás o sonho de prosseguir estudos, nunca teve outro trabalho a não ser no campo. E ainda hoje não se imagina a viver sem ele.

Relacionados

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal