Sociedade | 30-10-2025 18:00

Maria Laura Santana Maia marcou a vida de muitos profissionais da Justiça

Maria Laura Santana Maia marcou a vida de muitos profissionais da Justiça
Maria Laura Santana Maia a receber os parabéns no dia em que tomou posse como juiz conselheira do Supremo Tribunal de Justiça - foto DR

Maria Laura Santana Maia foi a primeira mulher juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal. Durante muitos anos foi docente do Centro de Estudos Judiciários, tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça. Era pintora nos tempos livres, tendo deixado uma obra que é o orgulho da família.

Morreu no dia 22 de Outubro a Juíza Conselheira Maria Laura Santana Maia. Em Maio de 2004, Maria Laura Santana Maia tornou-se a primeira juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça. A sua escolha foi feita por unanimidade em sessão plenária do Supremo Tribunal de Justiça. Anos antes, em 1995, tinha sido nomeada desembargadora do Tribunal da Relação de Évora.
Maria Laura Santana Maia nasceu em Ponte de Sor, a 8 de Outubro de 1937. Aos 30 anos, depois de ficar viúva, e com dois filhos de tenra idade, começou a estudar Direito, numa altura em que a carreira da magistratura ainda estava vedada a mulheres. Foi delegada do Ministério Público em Nisa, Loulé e Guimarães. Chegou depois a juíza, tendo trabalhado nos tribunais de Serpa, Mértola e Cartaxo, antes de ingressar no 17.º Juízo Cível de Lisboa, em 1988. Em Lisboa, foi durante muitos anos docente do Centro de Estudos Judiciários tendo marcado a vida de muitos profissionais da Justiça.
"Quando entrei nos tribunais encontrei um mundo de homens, até entre os funcionários eram raras as mulheres. Mas nunca senti qualquer reserva ou desconfiança, foram sempre todos muito calorosos, mesmo nas comarcas onde trabalhei", afirmou numa entrevista a Ana Isabel Abrunhosa. Desses tempos recorda ainda que quando pôde candidatar-se ao ingresso na magistratura, graças ao 25 de Abril, só o fez nos últimos dias para não abandonar os seus alunos de liceu. Entrou em Agosto de 1974 como delegada do Ministério Público mas em 1979 já estava na magistratura judicial. Sentia-se preparada, mas mesmo assim as pernas tremeram quando se sentou pela primeira vez no topo mais alto de uma sala de tribunal. “Até senti náuseas”, confessou, embora o assunto que tinha para ajuizar não fosse muito delicado.

Maria Laura nasceu dois anos antes da segunda Guerra Mundial
Maria Laura Santana Maia nasceu em 1937, dois anos do início da segunda guerra mundial, facto que a própria recorda num texto em que conta uma boa parte da sua história de vida que quis oferecer aos seus dez bisnetos, que também aparecem numa foto de 2019 num opúsculo a que O MIRANTE teve acesso.
A história de vida começa exactamente por descrever como se vivia na Ponte de Sor no início da guerra e o que lhe aconteceu oito anos depois, em 1945. No dia em que acabou a guerra. “Vinha de uma lição de piano e vi um grupo de pessoas a dar vivas e a deitar foguetes. Um dos homens gritou-me “acabou a guerra” e convidou-me a integrar o cortejo, o que fiz sem ter bem a noção da grandeza do momento. “Nessa altura Ponte de Sor era uma pequena vila, longe do mundo, e o que mais recordo era o racionamento, pois havia falta de tudo e as pessoas abasteciam-se através de senhas”.
Um relato de vida em que se fala da semanada, que era metade da que o irmão recebia, do facto da maioria das famílias destinarem a vida das filhas apenas ao casamento, “poucas mulheres tiravam cursos superiores, e nada de grandes voos como belas artes ou arquitectura”, e onde se descreve o nome de lugares, ruas, famílias e muita memória do que era a vida quando não havia telefone e os carros eram muito poucos a circularem pelas ruas cheias de buracos e onde era perigoso circular à noite.
Num dos episódios ainda da sua infância, que fez questão de deixar como testemunho para os bisnetos, Maria Laura conta que aos 15 anos tinha tudo combinado para ir a Coimbra à Queima das Fitas a pretexto da vida estudantil do seu irmão e que contava com o apoio da mãe que tinha uma visão romântica da vida estudantil, já que o seu pai tinha estudado em Coimbra onde foi aluno de Oliveira Salazar. Embora a vontade da mãe, os quartos reservados no hotel Bragança, os vestidos feitos à medida, uns dias antes o pai começou a ficar maldisposto, não falava, “e a minha mãe, que o conhecia bem, dizia-me: o teu pai ainda vai roer a corda. E foi o que aconteceu embora a sua incredulidade. Um dia antes da partida para Coimbra o meu pai encheu-se de coragem e disse que não íamos à "queima". E não fomos mesmo. Era assim a vida das meninas daquela altura”.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal