Sociedade | 01-11-2025 12:00

Ricardo Tomás ficou tetraplégico devido a um vírus

Ricardo Tomás ficou tetraplégico devido a um vírus
Ricardo Tomás e a dura realidade de ficar tetraplégico de um dia para o outro - FOTO – Facebook Ricardo Tomás

Há quase cinco anos, a Síndrome de Guillain–Barré apanhou-o à traição e deixou-o com a massa muscular destruída. Ricardo Tomás, um escultor residente nas proximidades de Rio Maior, tem lutado para se reerguer e para derrubar as barreiras que afectam quem tem mobilidade reduzida. “Quando fui para Alcoitão é que percebi que havia tanta gente doente e deficiente”, diz.

No dia 6 de Dezembro de 2020 a vida de Ricardo Tomás, 57 anos, ficou virada do avesso. De um dia para o outro estava paraplégico, devido à Síndrome de Guillain–Barré (SGB), que afecta a massa muscular. A origem está num vírus que entra no organismo, e este, para se defender, destrói a massa muscular. Não tinha qualquer sintoma que prenunciasse a desgraça que lhe estava prestes a suceder. Ficou internado 15 dias nos cuidados intensivos do Hospital Distrital de Santarém, porque havia o risco do coração e pulmões deixarem de funcionar.
Sobreviveu e, graças à fisioterapia em Rio Maior e aos tratamentos em Alcoitão, recuperou alguma força e já mexe as mãos e as pernas. Consegue cozinhar e tratar da roupa, por exemplo. Mas as sequelas perduram e vão acompanhá-lo para o resto da vida. Residente em Ribeira de Santo André, perto de Rio Maior, sabe que não vai voltar a andar de forma autónoma e que os tratamentos têm de continuar. Esta semana regressou a Alcoitão para mais dois meses de terapia.
Com a mobilidade reduzida e confinado a uma cadeira de rodas, Ricardo Tomás passou a sentir na pele as barreiras que diariamente se colocam aos deficientes e outras pessoas com dificuldades de locomoção. “Sou reformado por invalidez, ando sempre em cadeira de rodas, tenho certificado multiusos com incapacidade acima dos 60%, moro na Ribeira de Santo André e os transportes públicos que por aqui passam não têm acessibilidade a cadeira de rodas”, desabafa a O MIRANTE, confessando a sua “indignação e desilusão”. Lamenta que o USO - serviço de transportes a pedido, em táxis, para servir a população em dias ou locais em que o transporte regular em autocarros não é possível ou viável - só esteja disponível no Verão, quando são suprimidas as carreiras de autocarros devido às férias escolares.
“Ou seja, para mim e para muita gente que tem problemas de mobilidade, o transporte regular em autocarros não é possível ou viável no Inverno, no Outono, nunca! E devíamos ter acesso ao serviço o ano todo”, refere Ricardo Tomás, reforçando: “Não tem lógica não termos acesso ao serviço no Outono, Inverno e Primavera, com a desculpa que existem autocarros, quando os autocarros não são uma solução para pessoas com problemas de mobilidade. É uma grande discriminação o que está a acontecer e peço que a situação seja alterada, o mais depressa possível”. Já expôs a situação a diversas entidades, como a Câmara de Rio Maior e a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo – autoridade de transportes nesse território – mas sem resultados.
Por isso, apela a uma acção imediata para que o serviço de transportes públicos, seja revisto e implementado com veículos acessíveis, garantindo que as pessoas com mobilidade reduzida tenham a possibilidade real de se deslocarem. “Ou, para resolver parte do problema, que o serviço USO seja considerado uma solução de transporte permanente, e não apenas sazonal, para dar resposta à grave carência de transportes acessíveis em Rio Maior”, vinca. E exorta todos os cidadãos que partilham da sua indignação a juntarem-se à causa, enviando as suas reclamações e apelos para a Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo.

Escultor durante trinta anos
Casado e pai de um filho, Ricardo Tomás foi escultor durante trinta anos e continua a ser uma pessoa dedicada às artes. É um amante da fotografia e oferece-se para fazer sessões fotográficas gratuitamente a quem estiver interessado. Tem consciência que o que lhe sucedeu causou danos colaterais nos que lhe são mais próximos – “a minha mãe ainda continua a chorar”, exemplifica – e reconhece que passou a enfrentar uma realidade dura e um mundo até aí desconhecido. “Quando me vi internado no Hospital de Santarém e quando fui para Alcoitão é que percebi que havia tanta gente doente e deficiente”, diz.
Adaptado à sua condição e conformado com a “baixa reforma” que lhe foi atribuída, resultante dos descontos feitos durante a sua vida activa, Ricardo Tomás passou a fazer quase todas as suas compras através da Internet, passa a maior parte do tempo em casa, embora por vezes saia com amigos, e vai cumprindo algumas tarefas domésticas dentro dos condicionalismos impostos pela doença. E sonha voltar a esculpir pedra e expor os seus trabalhos em Rio Maior. Porque para o sonho não há limites.

De antigo serralheiro da Carris a artista em Rio Maior

Há quase dez anos, Ricardo Tomás já tinha sido notícia nas páginas de O MIRANTE. Em Dezembro de 2015 dávamos conta de como um anúncio de jornal pode mudar a vida de um homem. Ricardo Tomás era prova disso. Procurava uma casa com quintal para montar a sua oficina de escultura e um pequeno rectângulo numa página de um diário nacional espoletou todo o processo que o trouxe, há 28 anos, de Lisboa até Ribeira de Santo André. Comprou a propriedade, dedicou-se a trabalhar a pedra e o ferro e por ali ficou. Até hoje. Natural de Lisboa, não conhecia Rio Maior mas hoje diz que se sente em casa. O antigo serralheiro civil na Carris deixou a empresa de transportes públicos da capital para se dedicar às artes plásticas e a aposta não correu mal. Trabalhava sobretudo mármore, embora também modelasse ferro e desenhasse. O corpo feminino era a sua grande fonte de inspiração, como era facilmente constatável em muitas das peças em exibição na exposição-venda que ocupava uma loja devoluta na Rua Serpa Pinto, no centro de Rio Maior, nesse Natal de 2015.

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