Agricultores impedidos de comprar produtos fitofarmacêuticos por atraso na entrega de cartões
Dois agricultores do concelho de Salvaterra de Magos esperam há mais de sete meses pelos novos cartões de aplicador de produtos fitofarmacêuticos. Apesar de terem concluído a formação obrigatória e entregue toda a documentação de renovação do cartão, continuam sem poder comprar produtos essenciais para o olival, a vinha ou o cultivo da batata. O atraso, da responsabilidade das Direcções Regionais de Agricultura e Pescas, está a gerar frustração, prejuízos e indignação entre os produtores.
A agricultura vive de ritmos certos e do tempo certo para cada gesto. Mas, para quem depende da burocracia, o tempo pode tornar-se um inimigo. Joaquim Pavoeiro, agricultor de Salvaterra de Magos, pediu a renovação do cartão de aplicador de produtos fitofarmacêuticos em Março deste ano, mas passados sete meses ainda não recebeu o cartão. Sem ele, não consegue comprar os produtos indispensáveis à preparação das terras e à protecção das culturas.
“Deram-me apenas um certificado, uma declaração que serve para mostrar às autoridades caso haja uma fiscalização. Mas para adquirir materiais no comércio, não tem qualquer validade”, explica. O resultado é um dia-a-dia feito de constrangimentos. “Tenho de andar a pedir por favor a quem tem o cartão que me compre os produtos. Acabo por desviar o material e o dinheiro, o que desorganiza completamente a contabilidade. Fico ilegal, perco o IVA e não posso meter nada na conta. Estou atado, não posso fazer nada”, lamenta.
Joaquim Pavoeiro é um dos muitos agricultores que se vêem bloqueados por um processo que deveria ser simples. O cartão de aplicador é emitido pelas Direcções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) após a entrega do certificado de formação, do requerimento preenchido e de uma fotografia. Mas, apesar de ter cumprido todos os requisitos, o seu processo está “em análise” há mais de meio ano.
“Já perguntei à empresa onde fiz a formação, a Consulta Activa, e disseram-me que há pessoas na mesma situação. Há até casos pendentes desde Novembro do ano passado. Isto é uma vergonha”, critica o agricultor, apontando responsabilidades aos serviços públicos. “Na função pública, se trabalhassem quatro das oito horas que lá passam, se calhar isto não acontecia”, desabafa. Sem alternativa legal para comprar os produtos, Joaquim Pavoeiro recorre à boa vontade de terceiros. “Tenho 300 e tal oliveiras, faço milho, batata e horta, já em média escala. Isto é o meu sustento e o meu passatempo depois da reforma, mas o Estado só complica”.
O agricultor, natural de Alcobaça, trabalhou durante décadas na construção civil, profissão que exerceu em Lisboa desde os 11 anos. “Nunca tive tempo de brincar”, recorda. Reformou-se e passou a dedicar-se em exclusivo à terra da mulher, natural de Salvaterra de Magos. “Vim para aqui com a ideia de me entreter com a agricultura. Mas nem reformado nos deixam trabalhar descansados”, ironiza.
A situação repete-se com o seu vizinho e amigo Manuel Silva, agricultor de Foros de Salvaterra. “Renovei o cartão no mesmo dia que o Joaquim, em Março, e até agora nada. Já vão sete meses”, conta. O produtor explica que o problema está a criar uma autêntica confusão no comércio agrícola. “Há quem ainda venda produtos sem o cartão, até o documento chegar. Outros não vendem de maneira nenhuma. Assim que a gente chega ao balcão, pedem logo o cartão. Sem ele, como é que resolvemos o problema?”, questiona.
Manuel Silva cultiva batata e já se dedicou também à produção de melão nos campos de Vila Franca de Xira. “Este ano a batata foi um desastre autêntico”, resume, atribuindo parte das dificuldades à impossibilidade de usar produtos fitofarmacêuticos adequados em tempo útil. “Dizem que o processo leva uma média de seis meses, mas já falei com pessoas que esperaram quase um ano”, afirma.
Cartão é obrigatório e exige formação
O cartão de aplicador especializado é obrigatório para quem utiliza produtos fitofarmacêuticos de aplicação restrita. A sua renovação é exigida de cinco em cinco anos e requer a frequência de uma formação certificada. A formação tem uma duração de 34 horas e é fiscalizada pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). O cartão permite o reconhecimento profissional e é indispensável para a compra de produtos de uso exclusivo por aplicadores especializados.
A demora nas renovações não é um caso isolado. Segundo relatos recolhidos no concelho, há dezenas de agricultores na mesma situação, impedidos de trabalhar de forma legal e com os prazos das campanhas agrícolas comprometidos.


