O stress faz parte da vida, mas não pode tomar conta dela
No Dia da Consciencialização do Stress, assinalado a 5 de Novembro, a psicóloga clínica Susana Ponciano, da SP Clínica, em Almeirim, fala de um problema cada vez mais transversal, que ultrapassa os limites do trabalho e se entranha em todas as idades e estilos de vida. Entre alertas e conselhos, lembra que o burnout é a consequência de um stress prolongado e que “é mais fácil tratar no início do que quando já se transformou numa depressão”.
O stress é uma palavra que se banalizou, mas continua a ser uma das causas mais silenciosas de sofrimento psicológico e físico. Em Portugal, onde o burnout afecta milhares de pessoas e apenas cerca de 3% da população recorre a acompanhamento psicológico, o tema volta a ganhar relevo no Dia da Consciencialização do Stress. Para a psicóloga Susana Ponciano, licenciada pela Universidade de Bolton e mestre em Psicologia Clínica e Aconselhamento pela Universidade Autónoma de Lisboa, é fundamental distinguir entre o chamado stress bom e o stress mau. “O stress bom ajuda-nos a ser mais produtivos, a reagir a desafios. O problema é quando a exposição é prolongada, quando deixamos de ter períodos de recuperação e o corpo e a mente já não conseguem equilibrar-se”, explica.
O burnout, diz, é precisamente “a exposição a um stress prolongado”, muito associado à vida profissional, mas que pode nascer em qualquer contexto. “Um cuidador informal, por exemplo, pode entrar num quadro de burnout. Vive sob enorme pressão emocional, sente que tem de ser capaz de tudo e acaba por não pedir ajuda. Acha que o cansaço e a exaustão são normais”, diz.
A fronteira entre o esforço saudável e o esgotamento é, muitas vezes, difícil de perceber. Mas há sinais que não devem ser ignorados, como insónias, falta de energia constante, alterações na concentração e na memória, dores musculares, dores de cabeça ou problemas gastrointestinais. “Não é a exaustão de um dia cansativo. É um cansaço que se acumula, que não passa com o fim-de-semana”, sublinha a psicóloga.
O contexto laboral é ainda o terreno onde o stress mais se manifesta. “As pessoas têm mais responsabilidades, mais carga de trabalho e menos tempo. Muitos serviços não têm pessoal suficiente, o que obriga cada profissional a fazer mais do que devia”, explica. A isso junta-se “a exigência crescente das profissões e a necessidade constante de formação e actualização. Antes, cada um tinha funções bem definidas. Hoje, um trabalhador acumula várias tarefas que nem sempre correspondem à sua área. As instituições acabam por exigir mais do que é humanamente possível”, nota.
Apesar de reconhecer que há empresas que começam a contratar psicólogos ou a promover programas de bem-estar, Susana Ponciano considera que o caminho ainda é longo. “A maioria das empresas não está sensibilizada. Os trabalhadores sentem-se sozinhos, sem espaço para falar do que sentem. Só quando há relações profissionais saudáveis é que pedem ajuda, e isso é raro. Muitas vezes têm de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde ou ao sector privado”.
Redes sociais e a cultura da perfeição
As redes sociais, sobretudo entre os mais jovens, são um novo factor de pressão. “As redes sociais muitas vezes têm um factor de maior competitividade. Apresentam imagens que nem sempre correspondem à realidade”, refere Susana Ponciano. “As pessoas publicam apenas o lado bom. Mesmo a nível das profissões, há muitos desafios que não são discutidos”, indica.
A psicóloga fala da importância da partilha e reflexão entre colegas e lamenta que isso ainda não aconteça em todas as profissões. Também é essencial promover dinâmicas de grupo e espaços de convívio. “Passamos a maior parte do tempo no local de trabalho, e é importante que também haja laços de amizade”, considera.
Questionada sobre o estigma associado à terapia, Susana Ponciano reconhece que ainda existe, mas “cada vez menos”, principalmente entre os mais jovens. Os mais idosos são a faixa etária com mais dificuldade em aceitar o acompanhamento psicológico. E muitas vezes são aqueles que mais precisavam desse espaço para terem alguém com quem falar e que os percebesse.
Sobre a crescente popularização de livros e aplicações de auto-ajuda, a psicóloga nota que as pessoas estão, por vezes, mais confusas. “Não estou a dizer que não existam bons livros, porque há. Mas como as pessoas não têm conhecimento técnico, muitas vezes não vão buscar as ferramentas indicadas para a sua situação e acabam por adiar o pedido de ajuda”.
Entre os casos que acompanha, Susana Ponciano nota um aumento do stress em jovens académicos. “Vejo muito stress em jovens no início da faculdade. O saírem de casa, a dificuldade em se adaptarem ao ambiente universitário, as exigências e as preocupações com o futuro. Muitos ainda não sabem o que querem ser, nem conhecem bem o que fazem as profissões”, declara.
No Dia da Consciencialização do Stress, a mensagem que a psicóloga deixa é simples, mas firme. Quando surgem sinais de sobrecarga, tais como dificuldades de sono, cansaço extremo, falta de concentração ou sensação de limite, é fundamental procurar ajuda. “É mais fácil tratar uma situação no início. O burnout pode transformar-se numa depressão se não for devidamente tratado”, vinca.


