Cuidadores informais pedem respeito, reconhecimento e apoios ajustados à realidade
No Entroncamento, testemunhos de exaustão e luta revelaram o que falta na lei para cuidadores informais, tantos nos apoios como no reconhecimento de quem cuida 24 horas por dia. Associação lança Manifesto e Observatório para tirar cuidadores da invisibilidade e pressionar mudança nas políticas.
Durante dois dias, a 4 e 5 de Novembro, o Entroncamento tornou-se ponto de encontro para quem vive a dura realidade de cuidar do outro sem descanso ou manual de instruções. O VII Encontro Nacional de Cuidadores Informais, promovido pela Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) em parceria com o CERE – Centro de Ensino e Recuperação do Entroncamento, foi palco de testemunhos na primeira pessoa, sem filtros, com lágrimas, cansaço e também esperança.
Lurdes Marques trouxe silêncio e emoção ao auditório. A cuidar da filha Jeise, de 21 anos, com paralisia cerebral desde o nascimento, tem lutado toda a vida para lhe dar as melhores condições sem apoios. Em São Tomé e Príncipe aprendeu sozinha a alimentar a filha, sem saber que existiam seringas ou alimentação adaptada. Durante 18 anos, improvisou técnicas para garantir que Jeise não morria à fome, num esforço diário que descreveu como “um teste de fé”. Mudou-se para Portugal em 2023 à procura de ajuda e, ao chegar ao Entroncamento, encontrou finalmente uma rede de apoio que mudou a vida da família, graças aos profissionais e acompanhamento no CERE. Lurdes Marques também falou sobre os limites da sua própria força, explicando que houve momentos em que desejou desistir e que já procurou acompanhamento psicológico para si e para a filha mais nova, que também foi afectada pela situação.
Graça Canhão é cuidadora informal do filho João, de 30 anos, diagnosticado com autismo severo e défice cognitivo. Assumiu esta função a tempo inteiro há cerca de 10 anos, mas já vive há três décadas a realidade de cuidar sem descanso, apoios suficientes ou garantias de futuro. O maior problema é a falta de reconhecimento real do trabalho que fazem. Se pudesse dirigir-se ao Governo, pediria sobretudo mais respeito por esta tarefa diária, que “não é valorizada como devia”. Referiu que o subsídio do cuidador informal, de 300 a 400 euros por mês, é insuficiente para viver, e que por isso muitos cuidadores sobrevivem no limite da pobreza, contando com apoios e até campanhas de angariação para necessidades básicas. Salientou ainda que cuidar não deve apagar a identidade pessoal de quem cuida. Também expressou preocupação pelo futuro, pois apesar de ter descontado durante 33 anos para a Segurança Social, não contribui há 10 e teme uma reforma muito baixa, sem rede de protecção para quem cuida sem remuneração.
Luís Correia é cuidador informal da mãe, diagnosticada com demência, e partilhou que ser cuidador “não é uma obrigação, é um acto de amor”. Presta cuidados há uma década, acumulando com o seu trabalho, embora tenha estatuto de cuidador informal reconhecido desde o início do ano. Afirmou que a solidão emocional e a falta de apoio psicológico são os maiores desafios de ser cuidador e questionou o porquê do número de cuidadores com estatuto reconhecido ser tão baixo comparado à realidade, criticando a distância entre a lei e a prática, principalmente pelas barreiras económicas que excluem muitos cuidadores.
Cristina Caetano, que cuida do filho André, com paralisia cerebral, acrescentou à conversa sacrifícios como mudar para o interior em busca de melhor qualidade de vida, mesmo que isso limite oportunidades para o resto da família. Enfatizou a falta de descanso e, além das dificuldades físicas para a mobilidade, pediu respeito das autoridades, afirmando que cuidadores não são ignorantes nem vivem à custa do Estado, mas prestam sim um serviço essencial que muitas vezes passa despercebido. Destacou ainda a importância do apoio psicológico, fundamental para enfrentar esta tarefa complexa e exaustiva. “Podemos nem todos ser cuidadores, mas todos teremos de ser cuidados um dia”, lembrou.


