Estar solteiro não é o mesmo que estar sozinho
Quando enfrentou um cancro, Margarida Lopes percebeu que estar solteira não era o mesmo que estar só. Rodrigo Cardoso encontrou no voluntariado e no exercício físico formas de contornar uma vida de trabalho solitária. Estar numa relação duradoura ainda é objectivo de vida para uns como forma de escapar à solidão, mas há quem esteja solteiro e viva muito bem com isso.
Margarida Lopes sempre teve o sonho de casar e ter filhos. Pensava que isso lhe ia acontecer, porque é “o que acontece à maioria das pessoas”. Foi morar sozinha, comprou casa assim que terminou o ensino superior, e ao longo dos anos foi tendo várias experiências amorosas que não correram bem, a mais longa com a duração de três anos. Com o passar dos anos, e depois de algumas tentativas falhadas, a disponibilidade para amar e ser amada foi esmorecendo e hoje, aos 56 anos, garante que já não pensa em encontros e namorados.
Um dos maiores desafios que teve de enfrentar na vida foi quando, em Maio do ano passado, descobriu que tinha cancro da mama. Depois de ter sido operada ao tumor em Agosto, enfrentou uma bactéria que não foi logo detectada e que obrigou a uma cirurgia arriscada à coluna. O resultado foram várias limitações físicas e neurológicas que a obrigaram a ficar parada durante 18 meses. Durante esses meses diz que nunca esteve sozinha, tendo tido a companhia e apoio de amigos e familiares, nomeadamente nas sessões de quimioterapia, revela a O MIRANTE numa conversa a propósito do Dia dos Solteiros que se assinala a 11 de Novembro.
Habituada a viver sozinha e a ter o seu espaço, a professora de 1.º ciclo confessa que se começa a sentir mais só à medida que a idade vai avançando. “Começo a pensar mais vezes que já não tenho pai, que a minha mãe já tem uma certa idade e precisa muito do meu apoio. Depois penso que vou mesmo ficar completamente sozinha e isso assusta-me”, diz. Mas apesar de a solidão começar a ser uma preocupação, essa circunstância não deixa de ter vantagens para a professora de Tomar. Uma delas é conseguir manter tudo organizado e ao seu jeito. “Ninguém mexe, ninguém tira do sítio. Outra das vantagens é termos o nosso dinheiro e não termos que partilhar com ninguém”, refere. Além disso, estar só não é o mesmo que sentir-se só.
Apaixonada por leitura, cinema, cozinha e artes plásticas, Margarida Lopes diz que mantém uma vida activa, mesmo estando solteira. Sai regularmente com amigos e com a reforma a aproximar-se, já pensa em entrar na Universidade Sénior para manter uma vida o mais activa possível. Embora seja uma pessoa bem-disposta e conversadora, confessa que já sofreu algumas depressões. A primeira foi durante o ensino secundário, tendo reincidido algumas vezes depois disso. “Acho que se tivesse um companheiro ou uma família ia ajudar-me a ter menos depressões, no sentido em que estaria muito mais ocupada”, refere.
“Estar solteiro não é um abismo, dá--nos liberdade e tempo para crescer”
Rodrigo Cardoso tem 24 anos, é de Santarém e trabalha como programador independente. Está solteiro há cerca de um ano e meio, desde que a sua última relação terminou em Maio do ano passado, mas se muitos associam o fim de um namoro a um vazio, para ele tem sido sobretudo um período de reajuste, descoberta e, acima de tudo, evolução pessoal.
O jovem escalabitano reconhece que hoje é mais difícil conhecer pessoas e admite que a pandemia de Covid-19 veio reforçar uma sociedade cada vez mais fechada. Depois do secundário, entrou no mundo do trabalho como freelancer e percebeu rapidamente que a rotina solitária do computador não deixava muito espaço para criar laços e decidiu mudar isso, começando a treinar num ginásio e a fazer voluntariado. O impacto foi imediato, pois conheceu pessoas novas e fez amizades. E isso, diz, transformou a sua forma de ver a vida, porque para si a conexão humana não precisa de ser procurada, muitas vezes acontece quando simplesmente uma pessoa se ocupa e “está num sítio onde se convive e interage com outras pessoas”.
Mesmo assim, o jovem não ignora o outro lado da moeda e para ele, para além dos momentos de solidão há também a questão financeira que vem com ser solteiro, dado o aumento do custo de vida actual. “Partilhar despesas ajuda muito hoje em dia, porque está tudo caro, mas pretendo viver sozinho quando tiver estabilidade financeira, independentemente de estar com alguém ou não. Não preciso de esperar por alguém para isso”, sublinha o jovem que mora com os pais.
Rodrigo Cardoso afirma que ter um relacionamento amoroso a longo prazo está nos seus planos, mas não a qualquer custo. E salienta que não tem pressa em entrar num relacionamento só para deixar de ser solteiro. E embora as apps de encontros façam parte do mapa actual da procura amorosa, o programador, que já experimentou duas, não se revê nelas. Deslizar perfis num ecrã não substitui, defende, o impacto de uma conversa e a energia do momento, preferindo encontros cara a cara. “Estar a escolher pessoas com base numa foto, num ecrã, não é especial. Prefiro ligações reais”, refere.
Quanto ao impacto emocional de estar solteiro, não romantiza a fase de pós-relação e admite que não é fácil, mas também vê nela valor. “Há aquela fase de olhar para trás, de imaginar o que poderia ter sido e querer contactar a pessoa. Não sei se é solidão ou saudade de quem a pessoa era para nós e é uma fase difícil, mas também é um processo que ensina”, destaca. No fim, a mensagem que deixa a quem está solteiro é simples: “não devíamos ter tanto medo de estar solteiros. Há mais amor na vida do que o amor romântico. E às vezes estar sozinho dá-nos liberdade para crescer”.


