Sociedade | 08-12-2025 21:00

Cheias de 1967 ainda emocionam quem perdeu tudo nas Quintas

Cheias de 1967 ainda emocionam quem perdeu tudo nas Quintas
Joana Maria Ferreira e Aureolina Ferreira são duas das sobreviventes das cheias de 1967 - foto O MIRANTE

Lugar das Quintas, na freguesia de Castanheira do Ribatejo e Cachoeiras, prestou homenagem às vítimas das cheias de 1967. A fatídica noite continua presente na memória dos sobreviventes e o receio que a tragédia se volte a repetir continua a pairar.

Joana Maria Ferreira, 67 anos, tem bem presente na memória a noite de 25 para 26 de Novembro de 1967, no lugar das Quintas, onde ainda mora na Castanheira do Ribatejo. A noite estava escura como breu, a maioria das casas não tinha luz eléctrica e a iluminação era dada pelos candeeiros a petróleo. As fortes chuvadas que caíram fizeram a água entrar pelas janelas e inundaram a casa onde vivia com os pais. Tinha nove anos. Em casa, para além do pai e da mãe, estava o irmão mais velho e mais dois irmãos com três anos e com sete meses. O irmão mais velho e o pai ajudaram a salvar a família das cheias. Recorda ter fugido apenas com a camisa de dormir vestida. “Perdemos tudo nessa noite. Se tínhamos pouco, ficámos sem nada”, relata.
No dia 26 de Novembro a família deslocou-se para uma quinta no Carregado. Joana lembra-se de ver os cadáveres ao fundo da rua e depois pessoas a mandarem os corpos para a parte de trás das viaturas. Recorda-se ainda de ter visto um helicóptero.
Apesar de terem passado 58 anos sobre essa calamidade, ainda se comove ao lembrar que costumava brincar com uma menina que andava sempre com a avó e que deixou de ver depois dessa noite. O medo que a tragédia se repita também continua presente nas noites em que chove demasiado. “Nunca mais se esquece, o perigo está em todo o lado. Se me dessem dinheiro para morar noutro lado saía daqui. O rio está uma desgraça, ninguém limpa nada. Isto pode voltar a acontecer, só peço a Deus que nos ajude”, desabafa.
Aureolina Ferreira tem 88 anos e lembra-se de tudo o que aconteceu essa noite. O marido, entretanto falecido, acartou com os corpos das vítimas. “Os dias a seguir à tragédia foram horrorosos. O céu estava muito escuro e eu e a minha irmã fomos para casa ter com os nossos filhos. Até poder, venho todos os anos à homenagem às vitimas”, diz.

“A ditadura abafou o que aconteceu nessa noite”
Cinquenta e oito anos após as cheias, que vitimaram 89 moradores da aldeia, familiares e amigos acompanharam a deposição de flores junto ao memorial em homenagem das vítimas. As actividades foram organizadas pela Associação Cultural e Recreativa do Lugar das Quintas (ACRL) e decorreram nos dias 25 e 26 de Novembro.
As cheias de 1967 foram a pior tragédia na região depois do terramoto de 1755. As fortes chuvas que caíram na madrugada de 25 para 26 de Novembro de 1967 causaram cerca de 700 mortes e a destruição de vinte mil casas. No Lugar das Quintas, mais de metade da população perdeu a vida, e por isso é anualmente homenageada junto ao memorial.
“A ditadura abafou o que aconteceu nessa noite”, afirma Joana Ferreira. Por isso é que a ACRL faz um esforço para preservar a memória dos que partiram e dos seus familiares. Bruno Teixeira, presidente da direcção, garante que a memória da tragédia está presente nos moradores das Quintas e de quem saiu da aldeia depois das cheias e nunca mais voltou.
“Há poucas pessoas aqui que viveram a tragédia mas é importante transmitir conhecimentos. Nos cem anos das cheias quem estará aqui para homenagear as pessoas?”, questiona, sublinhando a importância de não deixar cair a data no esquecimento. Bruno Teixeira diz que é natural o receio face à repetição da tragédia. As alterações climáticas podem levar a que as cheias aconteçam outra vez, embora a capacidade de resposta e socorro seja diferente da que existia à época.

Moradores da aldeia das Quintas depositaram flores em homenagem a quem perdeu a vida nas cheias de 1967 - foto O MIRANTE

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