Sociedade | 10-12-2025 18:00

“Problemas de indisciplina surgem sobretudo entre alunos sem acompanhamento familiar”

“Problemas de indisciplina surgem sobretudo entre alunos sem acompanhamento familiar”
Pedro Ferreira lidera um agrupamento com 3.500 alunos e oito estabelecimentos de ensino na Póvoa de Santa Iria - foto O MIRANTE

Pedro Ferreira dirige há quase sete anos o Agrupamento de Escolas D. Martinho Vaz de Castelo Branco, na Póvoa de Santa Iria. Com passagem pela Direcção-Geral da Administração Escolar e experiência como coordenador de departamento, deixou o ensino de História para se dedicar em exclusivo à gestão escolar. Hoje é um dos rostos do agrupamento, que integra cerca de 3.500 alunos e oito estabelecimentos de ensino.

O número de alunos com necessidades educativas especiais tem vindo a aumentar no Agrupamento de Escolas Dom Martinho Vaz de Castelo Branco, na Póvoa de Santa Iria. Num universo de 3.500 alunos, distribuídos por oito estabelecimentos de ensino, desde o jardim de infância ao ensino secundário, são cerca de 140 os alunos que necessitam de acompanhamento diferenciado.
Apesar de ser uma minoria, o director do agrupamento, Pedro Ferreira, diz que são necessários mais professores de educação especial para que o acompanhamento de parte dos alunos fosse permanente. A prioridade vai para os casos mais graves, sendo que para os jovens com medidas chamadas selectivas o acompanhamento é menor. “Não posso dizer que os professores estão em falta porque cumprem o rácio, mas às vezes temos na sala um aluno ou dois que precisavam de um acompanhamento permanente e não conseguimos. O professor de educação especial está lá, por vezes, três ou quatro horas por semana, e não se consegue mais porque têm de acompanhar vários alunos. O modelo ideal era podermos ter os professores do ensino especial a acompanhar os professores titulares de turma durante mais horas”, refere, acrescentando que o agrupamento tem dez professores de ensino especial.
No total da população escolar do agrupamento, entre 3% a 4% são imigrantes. Sendo uma baixa percentagem de alunos de fora da comunidade lusófona, a mediadora cultural e linguística exerce a função a meio-tempo, sendo responsável por fazer a ligação entre a escola e a família, ajudando com a língua e facilitando contactos com outras entidades.
Segundo relata Pedro Ferreira, a existirem casos de xenofobia ou racismo nas escolas do agrupamento não são visíveis e garante que ao passar nos corredores não verifica esse tipo de comportamentos. “Tentamos trabalhar isso através do desenvolvimento de acções de cidadania. Agora estamos a desenvolver um projecto que se chama Jovens Transformadores, dirigido ao ensino secundário. É uma parceria com Moçambique e desenvolvem-se temáticas como a solidariedade e a sustentabilidade. É uma forma de os alunos verem o outro e terem esta dinâmica da interacção com um país estrangeiro, neste caso africano”, explica.
Quanto aos casos de agressividade, o director refere que ocorrem de vez em quando, independentemente da origem. Nessas situações, a escola actua através do procedimento disciplinar, mas também tenta antecipar o problema com acções inseridas no Projecto de Educação para a Saúde. Este ano, o agrupamento voltou a receber o certificado “Escola Sem Bullying”, que distingue instituições de ensino que implementam políticas consistentes de prevenção e intervenção face a comportamentos de intimidação entre alunos.

Agrupamento sem casos “dramáticos” de pobreza
No Natal, o agrupamento de escolas tem por hábito entregar cabazes solidários às famílias mais carenciadas. Pedro Ferreira conta que os directores de turma têm dificuldade em identificar famílias nestas condições, o que leva a crer que não existem casos dramáticos de pobreza, “que a escola tenha conhecimento”. O número de alunos de acção social que almoça nas cantinas durante as interrupções lectivas é também residual, não passando de uma dezena.
Coordenar todas as valências, gerir as faltas dos docentes, ouvir os encarregados de educação ou alunos que se portam mal são algumas das tarefas diárias da direcção presidida por Pedro Ferreira. A área de alunos está subdividida pela subdirectora e três adjuntos, e normalmente são eles que tratam de forma mais imediata das situações. “As prioridades são que os alunos tenham sucesso. Isto é uma máquina grande, com muita gente envolvida, não são só as pessoas que trabalham aqui, mas também estamos envolvidos com a comunidade, nomeadamente os encarregados de educação, associação de pais, junta de freguesia, a câmara municipal, portanto, no fundo, é preciso dar resposta a todas essas solicitações”, sublinha, acrescentando que o agrupamento tem as portas abertas à comunidade.
A falta de métodos de estudo e o desinteresse generalizado dos alunos tem dificultado as aprendizagens. Segundo o director, “há estudantes que não têm interesse por nada, e por muito que os professores apresentem estratégias diferentes, é difícil captar a atenção deles”. Apesar disso, o agrupamento regista bons resultados escolares, especialmente entre os alunos que recebem acompanhamento familiar. “Notamos perfeitamente que os alunos que têm uma família que os acompanha, que é estável, que pode até nem ter muitos conhecimentos académicos, mas que se interessa, não têm problemas de indisciplina e de comportamento. E são alunos que se interessam, que se esforçam e que têm bons resultados. Os problemas de comportamento são na sua grande maioria, se formos a fazer uma estatística, de alunos que não são tão bem acompanhados”, refere.
Neste momento, o agrupamento tem todos os professores colocados e os assistentes operacionais estão de acordo com o rácio. Os maiores problemas surgem com as baixas médicas pontuais que o agrupamento tem de gerir internamente. Quanto aos recursos materiais, as maiores falhas registam-se a nível tecnológico. Os computadores da escola digital já têm cinco anos e os computadores que foram repostos não chegam para abranger todos os alunos.

Valorizar a função de direcção
Pedro Ferreira destaca que o papel da escola continua a ser a transmissão de conhecimentos, no entanto tem também de desenvolver as competências necessárias para o século XXI. Sobre a alteração ao Estatuto do Director, explica que ainda não são conhecidas as regras do Ministério da Educação, mas que é preciso rever os vencimentos para evitar situações que considera caricatas. “Cheguei a estar no quarto escalão e quem estava em escalões acima auferia um vencimento superior. Ainda hoje há pessoas na escola que têm um vencimento superior ao meu. Em nenhuma instituição do mundo quem dirige recebe menos do que quem é dirigido”, diz.
Outra das preocupações é a forma como os directores dos agrupamentos vão passar a ser escolhidos. Para o responsável, não faz sentido ser um gestor sem experiência na área da educação e que não seja professor. “Só vai olhar para os números, provavelmente, e acho que a função de um director de agrupamento de escolas públicas não é olhar para os números. Temos que ter um controlo sobre os gastos e sobre as contas, mas a nossa principal função é gerir pessoas, actividades pedagógicas e fazer as coisas funcionarem, o que já dá muito trabalho”, reitera.

Escolas abertas à comunidade

O Agrupamento de Escolas D. Martinho mantém ligação à comunidade através da promoção de iniciativas conjuntas e abrindo portas a actividades externas. No âmbito do Dia do Mar, a escola promoveu um encontro em que reuniu alunos e professores das escolas de Vialonga e do Forte da Casa. A escola promove ainda, no final de cada ano lectivo, as Jornadas do Ambiente, em articulação com a Câmara Municipal de VFX e com a junta de freguesia. Entre os projectos desenvolvidos destacam-se o Parlamento dos Jovens, a Assembleia Municipal Jovem e a Escola de Embaixadores do Parlamento Europeu, numa forte aposta na formação cívica dos alunos.
A literacia financeira tem também merecido atenção, tendo sido assinalado, em Outubro, o Dia da Poupança com actividades orientadas por alunos do ensino secundário da área de Economia, que visitaram várias turmas para abordar esta temática. Outra vertente em que o agrupamento investe é a integração cultural. A informação dirigida à comunidade escolar encontra-se em várias línguas, reflexo do trabalho desenvolvido para acolher alunos e famílias de diferentes origens, reforçando o carácter inclusivo da escola.

“O telemóvel não deve ser diabolizado”

Na Escola Dom Martinho Vaz de Castelo Branco, do 7º ano ao 12º ano, os telemóveis não foram proibidos. A proibição aplica-se ao primeiro e segundo ciclos. “Acho que o telemóvel não deve ser diabolizado, esta é a minha opinião pessoal, e neste momento está a ser diabolizado, porque é um instrumento útil até do ponto de vista pedagógico. Tendo em conta que nós não conseguimos atribuir kits digitais, PCs, a todos os alunos, o telemóvel é uma alternativa”, vinca.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias