CPCJ de Salvaterra admite que retirar crianças é hoje último recurso, 17 anos após caso Marília
A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos assegura que a intervenção mudou completamente desde o tempo em que três irmãos foram retirados da família em Foros de Salvaterra, num episódio que marcou o concelho e mobilizou a sociedade civil.
A presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Salvaterra de Magos, Maria de Fátima Pedro, defende que “as coisas mudaram muito” na forma de actuar das comissões, sublinhando que, actualmente, a retirada de crianças do meio familiar só acontece “quando não há mesmo outra hipótese”, depois de esgotadas as restantes medidas.
Maria de Fátima Pedro, que integra a CPCJ de Salvaterra de Magos desde 2020, tendo estado na CPCJ de Loures desde 2014, foi eleita a 8 de Maio de 2024 para presidir à estrutura do concelho. A comissão alargada tem actualmente 16 elementos e a comissão restrita, que “trabalha os processos”, é constituída por sete. Em declarações a O MIRANTE, a presidente aponta como uma das evoluções o recurso ao acolhimento familiar, uma resposta hoje disponível no concelho e que não existia há quase duas décadas. Trata-se, explica, de uma solução proposta pelas CPCJ ou pelos tribunais antes da última medida, que é a retirada dos menores às famílias e que depende do consentimento dos pais para a intervenção, caso contrário o processo segue para tribunal.
Maria de Fátima Pedro acrescenta que, no distrito de Santarém, as famílias de acolhimento fazem formação no Centro de Bem Estar Social (CBES) da Zona Alta, em Torres Novas, instituição que gere esta resposta social a nível distrital. Após a formação, as famílias são avaliadas e podem acolher crianças, “preferencialmente até aos 6 anos”, embora possam ser mais velhas. A presidente disse ainda que “ainda existe a necessidade de encontrar mais famílias”, porque as existentes já têm crianças a cargo, e “é muito difícil” quando há novas sinalizações e não há disponibilidade.
Antes do acolhimento familiar, salientou, existem outras medidas como o apoio junto dos pais com plano de acompanhamento e outras estratégias comunitárias, referindo que o sistema “evoluiu bastante desde 2009”. A responsável acrescenta que há crianças em acolhimento porque os pais “ainda não têm as competências desejadas”, dando conta do caso de “dois irmãos” acompanhados durante três anos “até ao limite”, que acabaram em instituição e para os quais está agora a ser trabalhado o regresso, já passando férias com os pais, que estão separados.
A presidente da CPCJ indicou também situações em que o quadro familiar agrava o risco, como o caso de uma menina cuja mãe, vítima de violência doméstica, foi para uma casa abrigo, mas a progenitora decidiu regressar ao companheiro agressor. Segundo Maria de Fátima Pedro, a criança tinha medo e a própria família pediu que fosse para uma família de acolhimento ou instituição, estando presentemente “muito bem”.
Ao enquadrar as decisões, Maria de Fátima Pedro afirmou que existe hoje “um cuidado muito maior”, reconhecendo, ainda assim, a falibilidade humana e a possibilidade de, em circunstâncias diferentes, uma decisão poder vir a ser outra. Mas sublinhou que, com os dados disponíveis no momento, “o superior interesse da criança exige” que se faça o que tem de ser feito, mesmo quando “não é o que a população gosta”.
O caso Marília originou uma onda de solidariedade
As declarações surgem quase duas décadas depois de o concelho de Salvaterra de Magos ter ficado marcado pelo caso de Marília Batista, cujos três filhos foram retirados à família, escoltados pela GNR, por intervenção da CPCJ, na madrugada de 20 de Junho de 2008, devido a alegadas condições de vida precárias. A situação foi acompanhada de perto por O MIRANTE e gerou uma onda de indignação, solidariedade e mobilização comunitária, com a construção de uma nova habitação para a família.
Em Dezembro de 2009, foi noticiado que o executivo municipal de Salvaterra de Magos reuniu com a directora da Segurança Social de Santarém para perceber as razões da não entrega das crianças à mãe, tendo sido referida a retirada pelas estruturas de protecção e a intenção de auscultar intervenientes do caso.
O caso chegou a ter contornos maquiavélicos quando, em certa altura, a assistente social deu um parecer negativo para que a família ocupasse a casa nova, construída com a ajuda de amigos, por esta ter demasiado pó.
A 11 de Março de 2010, foi conhecida uma decisão do Tribunal de Menores de Vila Franca de Xira que determinou que os três menores fossem entregues à mãe a partir de 26 de Março, no início das férias da Páscoa, após terem estado institucionalizados durante um ano e oito meses.
À data, a técnica da Segurança Social que acompanhara o processo desde o início foi afastada do caso. Maria de Fátima Pedro afirmou que a técnica associada ao processo “já não está há muito tempo” na CPCJ de Salvaterra de Magos e disse não a conhecer, frisando que a equipa é “totalmente diferente” e que os técnicos só podem manter-se nas comissões durante nove anos, admitindo existir apenas uma excepção ligada à progressão de carreira de uma técnica que “permanece há mais tempo”.
Em 2015, a então presidente da CPCJ de Vila Franca de Xira defendia que retirar crianças “a meio da noite ou de madrugada” só faria sentido em caso de risco de vida iminente e que, caso contrário, não seria “a melhor solução”, insistindo que a institucionalização deveria ser o “último passo”, quando esgotadas as alternativas.
Em 2017, O MIRANTE voltou ao tema ao dar conta de que Marília Batista emigrou para Bicester, em Inglaterra, com os filhos e conseguiu reconstruir a vida.


