Alenculta resgata a memória de Alenquer
A Alenculta continua a recuperar a história esquecida de Alenquer através das suas publicações. Documentos antigos, livros e visitas culturais revelam memórias que os arquivos municipais não registam ou que são de dificil acesso. O objectivo é garantir que a história local não se perca para as próximas gerações.
Quando a Alenculta - Associação Cultural do concelho de Alenquer iniciou a recolha de informação para escrever o livro “A noite mais longa, história e memória da cheia de 25-26 de Novembro de 1967”, uma das primeiras diligências foi falar com João Mário, que à época do acontecimento era presidente da Câmara de Alenquer. A indicação dada pelo próprio era clara: existiam duas pastas de arquivo, com toda a documentação relevante sobre as cheias, guardadas na câmara.
Em conversa com O MIRANTE, Alberto Santos, presidente da direcção da Alenculta, relata a dificuldade em localizar essa documentação, num contexto em que o arquivo municipal de Alenquer tem pouca informação digitalizada, ao contrário do que sucede noutros municípios como Oeiras ou Vila Franca de Xira. Após analisarem exaustivamente as actas da câmara, sem encontrarem mais elementos, os autores do livro recorreram a conversas informais até surgir a indicação de que as pastas estariam guardadas no chamado calabouço, um antigo espaço municipal que em tempos serviu para a polícia deter os cidadãos embriagados. Depois de ter servido para detenções temporárias, o calabouço foi reutilizado como arquivo morto do município.
Quando essa pista foi seguida, o espaço já tinha sido esvaziado e a documentação transferida para o complexo municipal da Barnabé, sem qualquer inventário ou critério de organização. Uma arquivista acabou por localizar, três dias depois, as duas pastas relativas às cheias, cujo conteúdo serviu de base ao livro, num desfecho que acabou por garantir a preservação de uma parte significativa da memória histórica do concelho. “Não criticando ninguém em particular, mas a verdade é que há câmaras municipais e entidades que desvalorizam aquilo que é a história. Estas pastas deviam ser digitalizadas por dois motivos: já não ocupam espaço e a memória fica preservada”, defende Alberto Santos.
Preservar a memória local
A Alenculta surgiu em 2013 para preencher um vazio na área cultural, sobretudo no que diz respeito à história e memória do concelho de Alenquer. Até à data, não existiam praticamente estudos aprofundados, pesquisas e publicações sobre a história local, papel que passou a ser desempenhado pela associação, que conta à volta de 170 sócios. A Alenculta promove ainda visitas culturais e patrimoniais no concelho, além de um boletim de história local, que sai três vezes por ano em versão digital.
A associação em si não produz livros, explica Alberto Santos, mas analisa as sugestões dos sócios e também de não sócios sobre temas locais. Entre as obras já publicadas destacam-se temas como a indústria na vila de Alenquer, a imprensa no concelho entre 1878 e 2000, o colégio das Irmãs da Caridade em Aldeia Gavinha, as cheias de 1967, a Casa Grande dos Pinéus sobre a história urbana de Alenquer e, mais recentemente, sobre a Lei da Separação do Estado das Igrejas. A associação presta apoio às escolas, tendo publicado obras de alunos do concelho e ainda obras para a Câmara de Alenquer. Na calha estão ainda, para serem lançados, livros sobre os Tombos de Alenquer, focados nas listagens de propriedades das igrejas, que terão sofrido com as invasões francesas; as memórias da vila do Carregado; os moinhos de vento de Alenquer; e o património “desprezado” da freguesia de Pereiro de Palhacana.
Fábricas de Alenquer sem arquivo
Alberto Santos explica que a associação tem interesse em futuras pesquisas que abordem a história do património agrícola e das quintas de Alenquer, que eram sobretudo morgados. Sobre se a comunidade do concelho dá valor à sua história, diz que sim, reportando-se, por exemplo, a apresentações de livros com sala cheia ao sábado à tarde.
“As pessoas gostam de ouvir, de conhecer, de saber. É isso que motiva o nosso trabalho”, afirma, destacando o contraste com a falta de preservação dos arquivos. “Não há um arquivo das fábricas que existiram em Alenquer, nem a Chemina. Porque as pessoas não reconhecem o valor do papel que têm à frente. Isto é um papel velho. Já não interessa nada”, lamenta.
Particularidades linguísticas de Alenquer
É fácil reconhecer quem é de Alenquer em qualquer parte do mundo. Uma das expressões mais usadas é o sufixo eco, como, por exemplo, nas palavras homezeco ou rapazeco. Alberto Santos explica ainda que em Alenquer não existem crianças, mas sim rapazes e raparigas pequenas, uma vez que a palavra “criança” raramente é usada.


