Sociedade | 16-02-2022 10:00

Edição Semanal. Amêijoa do Tejo é tóxica mas é um negócio ilegal de milhões

Paulo Mendes (à esquerda), Oliveira Brás e Joana Jerónimo

Com a crise gerada pela pandemia há cada vez mais gente a dedicar-se à pesca ilegal de amêijoa no rio Tejo e isso deixa a Polícia Marítima sem mãos a medir no combate a um negócio que já rende quase tanto como a droga e é feito às claras.

O MIRANTE acompanhou uma operação em Vila Franca de Xira num dia em que os pescadores conseguiram fugir e as autoridades só apreenderam material ilegal.

O MIRANTE acompanhou em exclusivo uma operação do Comando Local da Polícia Marítima (PM) de Lisboa na zona de Vila Franca de Xira que tinha como objectivo apanhar mariscadores ilegais e redes de meixão mas apesar da equipa em terra ter identificado alguns pescadores suspeitos todos conseguiram fugir antes da polícia chegar e só o material que deixaram para trás acabou por ser caçado. Duas ganchorras – uma grelha ilegal puxada pelos barcos que remexe o fundo do rio e aprisiona a amêijoa – e dois berbigoeiros, uns ancinhos em inox usados à mão nos solos lodosos – foram confiscados para destruição.
Este é, muitas vezes, o desfecho das perseguições policiais a estas redes mafiosas que se dedicam à apanha ilegal da amêijoa japónica no rio Tejo que já rende quase tanto como algumas operações de tráfico de droga e que se tem transformado numa operação organizada, com cartéis montados e onde há de tudo: exploração laboral, falsificação de documentos e até disputas entre famílias rivais.
Mas com uma grande diferença face à droga: tudo é feito às claras, ao sabor da maré e onde a lei ainda vai protegendo os infractores. Neste negócio há muitos milhares de euros em jogo e alguns pescadores de Vila Franca de Xira, Alhandra e Póvoa de Santa Iria também tentam a sua sorte nas zonas do Samouco e Alcochete, na margem sul, onde o lodo do rio acumula a japónica em abundância, uma amêijoa invasora que chega a valer 3 a 4 euros por quilo mas que não deve ser consumida devido às toxinas que acumula. Numa maré há quem apanhe mais de 80 quilos, o que dá uma ideia dos valores envolvidos neste negócio paralelo.
O marisco é vendido na hora a intermediários que a pagam em dinheiro e a traficam para Espanha, onde sob certificados falsos – dizendo que foram pescadas no Sado – são limpas e enviadas de volta a Portugal, acabando no prato dos consumidores. Quase diariamente a Polícia Marítima (PM) efectua operações que resultam em apreensões e coimas passadas a quem se dedica a este negócio ilegal.

Informadores alertam comunidade

Pelas oito horas tem lugar o briefing de todas as equipas numa sala de acesso restrito em Alcântara. É delineada a estratégia para caçar os infractores. Uma viatura de vigilância costeira, equipada com radares, drones, binóculos e câmaras, segue para o terreno onde, em pontos estratégicos, vai observar os prevaricadores no rio. “A maioria das detenções acaba por ser feita em terra”, confirma Paulo Mendes, um dos polícias que vai acompanhar a operação e é natural de Tomar. Duas horas depois a equipa em terra referencia uma embarcação de Vila Franca de Xira. Apanhá-la é a dificuldade.
Informadores pagos pelas máfias da amêijoa estão sentados nos cais em Lisboa e relatam a toda a gente quando saem as equipas policiais. A dica rende umas dezenas de euros. Os agentes sabem que eles lá estão e quando são operações mais complexas são obrigados a usar disfarces e fazer contra-informação.
A meio do caminho já se sabe que a embarcação foi alertada porque começa a mover-se para voltar ao cais. Os agentes aceleram, Na lancha onde vai O MIRANTE chegamos quase aos 50 nós, o suficiente para voar sobre as águas. Apesar disso, tudo parece em câmara lenta, porque o rio é grande demais para duas embarcações e sobre as águas tudo se move mais lentamente.
Ao chegarmos ao cais de Vila Franca de Xira já ninguém está perto dos barcos. Há alguns rostos ao longe a observar, são provavelmente os pescadores, mas a polícia sabe que já pouco ou nada pode fazer. Os motores quentes e a chave na ignição revelam a embarcação que acabara de chegar. Não há pescado a bordo. Para trás ficaram duas ganchorras usadas na amêijoa que os agentes Paulo Mendes, Oliveira Brás, Rodolfo Caldeira e Fonseca Silva confiscam para destruição. A bordo está também Joana Jerónimo, da Autoridade Marítima Nacional.

Pescadores de VFX não causam problemas

A ponte de Vila Franca de Xira é o limite físico de intervenção da Polícia Marítima. Acima dela a vigilância é responsabilidade da Guarda Nacional Republicana. “Ainda assim sempre que precisamos subimos o rio, já chegámos a perseguir uma embarcação infractora até Valada”, recorda Paulo Mendes. Quem for apanhado na pesca da amêijoa arrisca coimas que vão dos 600 euros até mais de mil euros. Se a embarcação não tiver licença de pesca é apreendida na hora. “Desde a pandemia aumentou a pesca de amêijoa e sabemos de gente que tem frotas de barcos que aluga a outras pessoas que querem ir pescá-la. É todo um negócio paralelo”, confirma a polícia.
No Samouco, com a maré alta, é possível avistar dezenas de barcos que se dedicam a esta prática, dando a real percepção de quão difícil é fiscalizar toda a gente. Das embarcações a polícia retira mais algum material proibido, totalizando quatro artes ilegais apreendidas na operação. “A nossa presença é fundamental mesmo que não se consiga abordar e autuar todos os prevaricadores. A nossa presença só por si é dissuasora e fazer patrulhas regulares no Tejo ajuda na prevenção destes ilícitos”, explica Paulo Mendes.
A paixão pelo trabalho é a maior motivação dos agentes. “Vila Franca de Xira não é dos piores concelhos. São vilas piscatórias em que as pessoas trabalham como pescadores e um ou dois prevaricadores não fazem a comunidade. Há muita gente boa que trabalha e continua a trabalhar no Tejo”, conclui.
Enquanto leu esta reportagem mais alguém sacou uns milhares de euros à conta do negócio da amêijoa. Mas às vezes a polícia vence. Dois dias depois da reportagem de O MIRANTE, a polícia fez outra operação durante a noite em Alcochete e apreendeu 450 quilos de amêijoa, três equipamentos de mergulho e duas artes de pesca em quatro embarcações que não tinham luzes nem habilitação legal para navegar.

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