Sociedade | 19-04-2022 16:30

Efluentes das pecuárias são tema de debate em Santarém

FOTO ILUSTRATIVA – FOTO DR

Entidades e responsáveis por um projecto ligado aos efluentes das pecuárias vão reunir amanhã na Fonte Boa, em Santarém.

Realiza-se amanhã, dia 20 de Abril, na Estação Zootécnica Nacional, em Santarém, ao longo de toda manhã, um seminário subordinado ao tema: “Efluentes de pecuária: abordagem estratégica à valorização agronómica/energética dos fluxos gerados na atividade agropecuária”.

O seminário conta com a participação de vários convidados, entre eles responsáveis por organismos do Estado e entidades privadas. No final do seminário, e depois de uma mesa redonda para discutir a “Importância da inovação para os desafios do setor”, será lançado um roteiro de “Gestão dos fluxos gerados na actividade agropecuária”.

O texto que pode continuar a ler em baixo é da responsabilidade de Carlos Alberto Cupeto, professor da Universidade de Évora, que também está envolvido neste projecto, que conta como nasceu e que destino pode ter um sector tão importante para a economia e para o meio ambiente em Portugal.

GoEfluentes: um projecto que não pode parar

A ideia do GoEfluentes terá começado no já longínquo 2014, numa circunstância  improvável, como muitas vezes acontece, entre poucos, ainda na António Augusto de  Aguiar que nessa altura acolhia a FPAS. 

A parceria, tornada possível pelo GoEfluentes, envolveu entidades do Sistema  Científico e Tecnológico Nacional (INIAV, ISA, UTAD, UE), Associações de  Produtores (IACA, FPAS, APCRF), tecido Empresarial (Alirações, Campoaves, Leal &  Soares, Ingredient Odyssey, Valorgado, TTerra). 

O primeiro objetivo deste Sumário Executivo é tornar incontornável a integral leitura do  Roteiro. 

A matéria prima objeto deste estudo, as instalações pecuárias, como infraestruturas  onde se produzem efluentes pecuários, estão sujeitas a um enorme acervo de legislação,  nem sempre clara; basta-nos saber: segundo a Direção-geral de agricultura e  desenvolvimento rural DGADR, são consideradas atividades pecuárias, todas as  instalações de reprodução, produção, detenção, comercialização, exposição e outras  relativas a animais das espécies pecuárias; assim estão neste conceito não só as  explorações pecuárias, mas também os centros de agrupamento de animais (instalações  de mercados, leilões de animais; exposição; centros de produção de sémen; etc.) ou os  entrepostos de animais (instalações de comerciantes de animais; etc.). Sendo “animais  de espécie pecuária”, qualquer animal bovino, suíno, ovino, caprino, equídeo, ave,  leporídeos (coelhos e lebres) ou outra espécie que seja criada com o fim de reprodução  ou produção de carne, e de outros produtos como o leite, os ovos, a lã, a seda, o pêlo, a  pele ou ainda que contribua para o repovoamento cinegético. São considerados também  os animais da produção pecuária destinada a criar animais de companhia, de trabalho ou  destinados a atividades culturais ou desportivas. Por último, a causa deste trabalho de  investigação aplicada, os efluentes pecuários: são resíduos resultantes das atividades  pecuárias e, em casos de manuseamento inadequado, representam riscos para a saúde  pública e animal, devendo seguir procedimentos de controlo nos núcleos de produção  de forma a permitir a correta destinação final para esses efluentes. Neste contexto, a  Portaria n.°631/2009 foi criada com o objetivo de estabelecer as normas  regulamentares a que obedece a gestão dos efluentes das atividades pecuárias e as  normas técnicas a observar no âmbito do licenciamento das atividades de valorização  agrícola ou de transformação dos efluentes pecuários, tendo em vista promover as  condições adequadas de produção, recolha, armazenamento, transporte, valorização,  transformação, tratamento e destino final. 

O Capítulo 1 trada, no geral, dos efluentes da atividade pecuária. 

Os efluentes pecuários são uma mistura várias fases, líquido, pastoso, semissólido e sólido. Quimicamente os efluentes pecuários contêm diversos nutrientes que passam pelo tracto intestinal do animal, e que têm potencial para serem recuperados  nomeadamente nos solos agrícolas. Para além dos nutrientes é interessante o teor de  água neles contido, e o teor de matéria orgânica pode ser um fator importante na  recuperação da fertilidade dos solos. Contudo, apresentam carga poluente potencial,  principalmente centrada na elevada concentração de azoto sob a forma de nitrato e nos  teores variáveis de metais pesados, conforme a espécie animal e o tipo de maneio. Para  além disso, estes resíduos podem conter os mais variados tipos de microrganismos  patogénicos como bactérias, vírus e protozoários (Pinto, 2014). Relevante é o facto de o  aumento da população levar à necessidade de utilizar novos métodos e produtos  químicos na criação intensiva de animais para a alimentação humana com o intuito de  maximizar a eficiência alimentar e reduzir o tempo de criação. De entre esses produtos  destaca-se o uso de medicamentos veterinários (terapêuticos e profiláticos) e de  substâncias promotoras do crescimento (Sales et al., 2015). A metabolização no tracto  digestivo animal destas substâncias é muito vaiável, mesmo quando a molécula é em  grande parte metabolizada, alguns dos produtos de degradação excretados podem  permanecer bioativos no efluente (Thiele-Bruhn, 2003), com todas as consequências par De acordo com Pinto (2014), a constituição dos efluentes pecuários é variável conforme  a proporção de fezes e urina. Para além das características dos dejetos, o tipo de estrume  produzido irá depender da qualidade e quantidade de palha ou outros materiais  utilizados nas camas dos animais, da proporção de fezes e urina misturados com os  materiais utilizados nas camas, da temperatura atingida durante a fermentação e do grau  de degradação final da mistura de dejetos e camas. Estes fatores influenciam a  composição do estrume de forma a obter um efluente com conteúdo palhoso maior ou  menor e mais ou menos ricos em nutrientes. Já a quantidade e características de chorume produzido depende do grau de diluição com as águas de lavagem e outras que  podem ser utilizadas nos estábulos, com a urina e com quantidades maiores ou menores  de fezes em suspensão, restos de rações, palhas, fenos ou outros materiais fornecidos para alimentação e/ou suplementação, com os consequentes impactos no meio que daqui  decorrem. Esta carga no meio faz-se sentir no solo, água e ar.  

Considerando a vigente emergência climática, o total de emissões de gases com efeito  de estufa GEE (CO₂, NH₃ N₂O, entre outros) atribuídas à atividade pecuária é  considerável e, por isso, não deve ser, em caso algum, ignorada. 

O Capítulo 2 faz o levantamento e caracterização geográfica da produção de efluentes  pecuários no nosso país. 

Sendo o setor pecuário cada vez mais acusado de causar graves desequilíbrios  ambientais, revela-se assim de vital interesse o conhecimento, atualizado, das  quantidades de efluentes pecuários produzidos no nosso país bem como da sua  

composição, tendo em vista não só os impactes que estes efluentes podem causar, mas  também, numa perspetiva de Economia Circular e da sua valorização. O Roteiro detalha  cada uma das Regiões até ao nível do Concelho. Faz uma caracterização por espécie e  sistema de maneio. A apresentação da representação em mapa à escala do Concelho  possibilita uma rápida e objetiva leitura geográfica do volume total de efluentes  produzidos em cada concelho (m³), volume produzido em cada concelho por cabeça 

normal (m³/CN) e volume de efluentes produzido em cada concelho por superfície  agrícola utilizada normal (m³/SAU).  

Foi realizada uma amostragem de chorume e estrume, cujas amostras foram  posteriormente analisadas em laboratórios creditados para o efeito, com vista à  determinação da sua composição físico-química. Daqui se conclui que é necessário um  esforço no sentido de atualização dos dados disponíveis tendo em conta a realidade dos  sistemas produção animal praticados no nosso país. 

A quantidade e volume de informação, bem como a constante necessidade de  atualização, levou ao desenvolvimento de um Sistema de Informação Geográfico da  Terras e Efluentes (sigTE) com o objetivo da integração das componentes Internet e  Geoportal, possibilitando que os intervenientes (produtores pecuários e agricultores), utilizem a informação geoespacial disponibilizada, que pelos meios tradicionais não  seria possível. A informação assim disponibilizada assenta em três grandes variáveis: 

– Ordenamento e condicionantes do território; 

– Características dos parcelários, designadamente limites de propriedade, áreas úteis e  ocupações culturais, e; 

– Distâncias entre fontes produtoras de nutrientes e parcelários recetores de nutrientes. 

Em matéria de valorização agrícola de efluentes pecuários, existem inúmeras  condicionantes ao nível do ordenamento do território o que se reflete no sigTE como  uma ferramenta de grande relevância e utilidade prática. 

O Capítulo 3 debruça-se sobre a muita Legislação que enquadra e regula os efluentes  pecuários. 

Esta é uma vasta matéria às vezes só acessível à interpretação de juristas. Este Roteiro bem reflete a importância, complexidade do tema, e, bem assim, o esforço feito para  sintetizar a mais relevante da legislação aplicável. Aborda-se em pontos específicos a  legislação portuguesa e as normas europeias considerando os limites máximos de  emissão nos recetores água, solo e atmosfera. Em síntese, remetemos o leitor deste SE  diretamente para os Quadros constantes deste Capítulo. 

O Capítulo 4 trata dos impactes dos efluentes pecuários. 

Como sabemos, a composição dos efluentes pecuários é muito variável e depende de  diversos fatores: espécie, idade, sexo e fase de ciclo produtivo do animal, alimentação e  excreção de nutrientes, consumo de água, modo de limpeza e águas de lavagem,  quantidade de palhas e/ou de outros materiais usados nas camas, entre outros. Os  principais componentes dos efluentes pecuários que afetam os solos e as massas de água  compreendem: matéria orgânica, nutrientes, em especial azoto e fósforo, metais  pesados, em particular o cobre e o zinco, microrganismos patogénicos, e substâncias  farmacológicas e seus metabolitos. A análise de impactes é feita considerando:

ecossistemas e saúde pública; ciclo do azoto; ciclo do fósforo; ciclo do carbono; cadeia  alimentar, e vetores de contaminação. 

O Capítulo 5 descreve a gestão e valorização de efluentes pecuários. Os efluentes  pecuários possuem um elevado potencial de valorização, porém, a sua utilização sem  quaisquer tipo de tratamentos possui um forte impacto ambiental ao nível das emissões  atmosféricas e da contaminação dos solos e da água. Neste sentido, de modo a extrair  todo o seu potencial, os efluentes devem ser sujeitos a tratamentos. Os diferentes  métodos desenvolvidos para a separação de sólidos podem ser divididos nas seguintes  categorias (Bernal et al., 2015; Hjorth et al., 2010): sedimentação; triagem ou  peneiramento, filtração pressurizada; centrifugação e, combinação de todos eles com  adição química. 

A valorização e gestão de efluentes é um dos mais relevantes tópicos do GoEfluentes; é  a estratégia operativa que possibilita passar de um problema para uma mais-valia, de um  resíduo para um produto. 

A compostagem é uma prática ancestral que continua a ter grande importância na  valorização de “resíduos” pecuários. O presente relatório dá nota de um caso de estudo  de compostagem de fração sólida de chorumes de bovino com o objetivo de verificar se  diferentes tipos de maneio na produção de bovinos influenciam o processo de  compostagem e a qualidade do fertilizante obtido. Neste sentido foram usados dois lotes  de estrume considerados com caraterísticas diferentes. No final obtiveram-se dois  fertilizantes estáveis, maturados, higienizados, com resultados muito semelhantes em  vários parâmetros. Os testes realizados em vasos no INIAV mostraram que o fertilizante  orgânico obtido a partir de estrume de bovino, proporcionou maior rendimento à cultura  de azevém, quando comparado com os tratamentos com fertilizantes minerais,  comprovando-se seu valor agronómico, contribuindo para uma agricultura mais  sustentável, ecológica e favorecendo a economia circular. 

A digestão anaeróbia (digestão e codigestão) é um processo biológico que ocorre  naturalmente na ausência de oxigénio molecular (O2), em que substratos orgânicos  complexos são degradados em metano (CH4), dióxido de carbono (CO2), e outros  componentes minoritários, tais como sulfureto de hidrogénio (H2S), monóxido de  carbono (CO), e amoníaco (NH3), entre outros gases vestigiais. O caso de estudo  implementado ao longo de 36 meses, na empresa Valorgado, possibilitou demonstrar  que a tecnologia de DA pode contribuir para a circularidade do bioresíduo gerado em  explorações suinícolas, promovendo o conceito de bioresíduos-zero e, simultaneamente,  reduzindo os potenciais impactes ambientais associados à atividade. Verificou-se que o  chorume proveniente da fase de engorda/acabamento apresenta um conteúdo de sólidos  voláteis superior ao chorume do ciclo fechado. Por este facto, foi possível obter uma  produção diária de metano 13% superior, bem como uma maior produção específica de  metano (cerca de duas vezes superior), em relação ao cenário de referência (chorume de  ciclo fechado). Estamos perante uma tecnologia madura, testada e consolidada, já  implementada em diversos países, que pode estar no centro de uma nova visão  estratégica para a gestão dos efluentes pecuários. De referir, ainda, que a DA permite  adicionalmente reduzir a emissão de GEE com origem no efluente durante o período de 

armazenamento, vantagem que representa um contributo extra importante para a  neutralidade carbónica do setor da produção animal. Neste sentido apresenta-se,  sumariamente, a situação nalguns países. 

Os insetos, como instrumentos de biorremediação constituem um grande campo de  investigação. O presente relatório dedica uma parte a este campo de investigação e  apresenta os resultados de um caso de estudo, concluindo que a “…gordura das larvas é  algo altamente promissor para diversos fins, como por exemplo a produção de  biodiesel.” E, “… possui alta qualidade e poder calorífico, tendo pouca viscosidade e  alta estabilidade oxidativa.” 

Por último, este Capítulo 5, dá nota do caso de estudo: valorização agronómica de  efluentes e coprodutos realizados na Quinta da Fonte Boa (INIAV-Santarém), com vista  ao estudo do efeito de dois produtos de compostagem tradicional. 

O Capítulo 6, o último, faz uma abordagem sumária dos impactos socioeconómicos da  valorização e utilização dos EP. O foco é a circularidade do ciclo produtivo em que a  economia circular assenta, onde, a valorização agrícola dos EP é, pois, uma mais-valia. Estamos perante a inversão de paradigmas e tabus que possibilita transformar um  “resíduo” num produto com valor económico, agrícola, energético e ambiental. 

Ideias finais 

A grande dimensão dos custos económicos e ambientais decorrente da intensificação  dos sistemas agrícolas, pecuários e agroindustriais é uma realidade e torna imperiosa a  procura de soluções que valorizem os seus efluentes e coprodutos, visando tanto a  redução da sua toxicidade como o desenvolvimento sustentável de novos processos e de  novos produtos. O GoEfluentes assumiu uma abordagem de valorização de um recurso,  focada nos diferentes interesses que convergem na produção e gestão adequada e  integrada dos fluxos gerados nos sistemas agropecuários, assegurando o  desenvolvimento sustentável, a nível regional ou nacional. Estamos perante uma  equação incontornável de abordagem de resíduo Zero, de Economia Circular e de  encerramento de Ciclos de Nutrientes, para que definitivamente, os efluentes sejam  percecionados e incluídos em estratégias de desenvolvimento sustentável enquanto uma  mais-valia inquestionável e inadiável, ou seja, um recurso a valorizar. 

Os resultados do Projeto estão em consonância com as metas que se pretendem alcançar  no Plano de Ação para a Economia Circular da UE, dando ferramentas aos utilizadores  finais que lhes permitam agilizar a implementação de medidas de requalificação numa  perspetiva de aumentar a sustentabilidade da fileira agropecuária. Acresce a muito recente tomada de consciência que Portugal deve atingir rapidamente a suficiência alimentar. A especificidade do sector agropecuário e a sua variabilidade no território  nacional foram estudadas, permitindo aos decisores políticos tomadas de decisão  suportadas pelo conhecimento científico, como tal estimulando e dinamizando os  produtores a aumentarem a sua eficiência/eficácia e a competitividade económica a  nível da exportação. Neste contexto, a transferência para os diferentes atores da 

economia do sector, adequadamente operacionalizada através de ‘Living Labs’, como agentes de inovação relevantes em Economia Circular, transformação digital e  autossuficiência, com iniciativas dinâmicas e abordagens multidisciplinares e  cocriativas, aliando ciência e sustentabilidade dos sistemas de produção. Pretende-se,  especificamente, implementar um ‘Living Lab’, associado a Piloto de Desenvolvimento  Experimental e Demonstração sobre ‘Efluentes e coprodutos da atividade agropecuária’  numa diversidade de parcerias. Este será um bom incentivo para dar continuidade aos objetivos do Grupo Operacional GoEfluentes, onde modelos de negócio devem ser  desenvolvidos com a participação de Associações de Produtores, Instituições  Financeiras, Sistema Científico e Tecnológico Nacional, entre outras. A  disponibilização de um Sistema de Informação Geográfico da Terras e Efluentes  (sigTE) traduz-se num facilitador, repositório e demonstrador de resultados de grande  valia e oportunidade. 

Na verdade, é agora, com a implementação do Roteiro, que o GoEfluentes  verdadeiramente começa. 

Carlos Alberto Cupeto (ECT – Universidade de Évora)

·          Titulo da responsabilidade da redacção de O MIRANTE

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