Grupo Dramático e Musical é uma escola de vida na Chamusca com 100 anos
Centenário de uma das associações mais antigas da Chamusca vai ser comemorado ao longo do ano com actividades para todos os gostos. Vítor Rosa é presidente do Grupo Dramático e Musical há mais de duas décadas. Em entrevista a O MIRANTE fala sobre o futuro da colectividade sem esquecer o seu passado e os que fizeram dela uma escola de vida.
A mais antiga e uma das maiores associações da Chamusca está a completar um século de existência e olha para o futuro acreditando que a renovação não pode ser dissociada do passado. O Grupo Dramático e Musical, J.N.P. é um dos únicos pontos de encontro da vila onde ainda se consegue jogar snooker, matraquilhos, bilhar, à sueca, ler jornais, ver televisão ou petiscar ao balcão. A colectividade tem um número significativo de sócios, cerca de 700, mas pouco mais de três centenas cumprem o dever de pagar a quota anual de 18 euros.
Vítor Rosa, presidente da associação desde 2001, admite que essa realidade o deixa “triste” e “desiludido”. O papel do cobrador desapareceu e o dirigente lamenta que alguns sócios só se lembrem da colectividade quando precisam e que não contribuam durante o ano para que se desenvolva e tenha cada vez mais impacto na comunidade. “Ninguém está para se chatear e ninguém quer ser incomodado. As pessoas devem ser mais responsáveis e cumprir com as obrigações”, afirma.
A conversa de Vítor Rosa com O MIRANTE decorre numa das sete salas do Grupo, nome como é conhecido entre a população, no dia em que recebeu um espectáculo de teatro do grupo Fatias de Cá. Com um orçamento anual a rondar os oito mil euros e despesas na ordem dos quatro mil, os oito elementos da direcção tentam renová-la sem perder a ligação ao o passado. Aos 48 anos, Vítor Rosa não esquece os seus antecessores, Manuel Sibério Esteves e José Manuel Pernita, dirigentes que deixaram um legado pesado na história do associativismo da vila. Outros nomes vêm à baila, como o de Hugo Marçal, ou dos actores Vítor Hugo (ver texto na mesma página) e António José Mendes.
Vítor Rosa não tem dúvidas de que a associação é uma escola de vida e muitas vezes funciona como uma segunda família. “É onde se tenta emendar os erros dos jovens e de muitos adultos. Muito do que procuro ensinar à minha filha foi nestas salas que aprendi”, refere. “Vitinho”, como é carinhosamente chamado pelos chamusquenses, tem pena que os jovens tenham mudado radicalmente os seus gostos e hábitos. “Chegam aqui e não se preocupam se o snooker ou os matraquilhos estão disponíveis. Querem logo saber da palavra-passe da Internet. Falta bairrismo à malta mais nova e a consequência é o declínio das associações”, sublinha.
O Grupo realiza várias actividades ao longo do ano, destacando-se a semana do Carnaval, peças de teatro, espectáculos musicais e vários torneios desportivos. A sede também está disponível para festas de aniversário, iniciativas de cariz social ou aulas de guitarra, por exemplo. “O que me deixa mais feliz é ver a partilha de conhecimento entre os jovens e os mais velhos. Costumo dizer que se a minha filha estiver aqui sem mim vai sempre haver alguém que olha por ela e lhe transmite algo de novo. É este o ar que se respira nesta associação”, vinca.
Como presidente da associação, uma das suas grandes conquistas foi a aquisição do edifício onde está sediada. Vítor Rosa diz que gosta de liderar pelo exemplo e muitos dos princípios e valores que cultiva adquiriu-os durante os anos em que pertenceu aos Forcados Amadores da Chamusca. “Se for para limpar uma sala, sou o primeiro a chegar e, muito provavelmente, o último a sair. Só conseguimos liderar pessoas e pedir para nos acompanharem nesta luta diária, se lhes passarmos bons princípios e mostrarmos que somos os primeiros a arregaçar as mangas para trabalhar”, salienta.
Vitinho já desempenha cargos directivos nesta associação há quase três décadas. Quando sair, afirma a O MIRANTE sem definir uma data, quer deixar a colectividade com boa saúde financeira, uma sede bem cuidada e uma associação mais próxima dos sócios. “Quando deixar de ser dirigente há uma coisa que tenho a certeza: vou continuar a vir ao Grupo e a partilhar momentos com as pessoas de quem mais gosto”, afirma com um sorriso no rosto.
“É quase uma obrigação ter de abandonar a Chamusca”
Vítor Rosa considera-se um bairrista de gema e é com tristeza que vê o concelho da Chamusca a perder população, comércio e serviços a cada ano que passa. Afirma que não gosta, nem quer, sugerir a outras pessoas para mudarem de concelho, mas a verdade é que actualmente a oferta da Chamusca é insuficiente para dar qualidade de vida às famílias. “Há poucos cafés e é muito difícil encontrar um sítio para jantar. O comércio local deixou de existir e é cada vez mais difícil arranjar emprego. Se as coisas continuarem assim, também a minha filha vai ter de ir estudar e trabalhar para fora, como eu me senti obrigado para ganhar a vida”, lamenta.

Vítor Hugo ainda faz teatro aos 85 anos
O Grupo Dramático Musical encheu-se de gente para assistir à última subida a palco de Vítor Hugo, actor amador da Chamusca, de 85 anos, e que conta com mais de sete décadas de carreira. O Grupo Fatias de Cá, de Tomar, apresentou a peça “O sonho de uma noite de Verão”, onde Vítor Hugo assumiu o papel de protagonista.
O abandono dos palcos de um dos maiores actores da história chamusquense deve-se a problemas de saúde que vão obrigar a intervenção cirúrgica e condicionar a sua fala. Ainda que com limitações, Vítor Hugo despediu-se do teatro amador com uma actuação cheia de energia e que roubou gargalhadas às mais de cem pessoas presentes, onde se encontravam também muitos familiares e amigos.
Vítor Hugo subiu a palco pela primeira vez com 15 anos. Fez parte de várias companhias e representou em centenas de peças, entre as quais o “Salsifré”, “Cepa Torta”, “Poço do Bispo”, “Rei Lear”, entre outras.
No final da década de 80 perdeu o seu filho Luís quando este tinha apenas 25 anos. Pouco tempo depois, e quando ninguém esperava, regressou aos palcos para homenagear o filho.
Vítor Hugo foi vereador na Câmara Municipal da Chamusca, pelo Partido Socialista, durante um mandato autárquico. Em entrevista a O MIRANTE, realizada em 1991, afirmava que a Chamusca, em relação aos concelhos vizinhos, estava pouco desenvolvida e que a tendência era para que crescesse mais lentamente. Nessa mesma entrevista, Vítor Hugo confessou ser um homem simples, sem grandes pretensões e que deixou muitos projectos para trás porque não conseguia passar aos outros a vontade e ambição de fazer andar as coisas para a frente.
O Grupo Dramático Musical atribuiu o nome de Vítor Hugo a uma das salas da associação que acaba de completar um século de vida.