Sociedade | 15-08-2022 07:00

Ruínas do Teatro Rosa Damasceno são péssimo cartão-de-visita de Santarém

Actor Gabriel Palhais da Silva ficou conhecido na região quando interpretou Salgueiro Maia

Gabriel Palhais da Silva é um jovem actor residente em Santarém que, embora esteja na fase inicial da carreira, não tem grandes ilusões acerca das dificuldades em viver do teatro, a sua grande paixão. Diz não ter espírito de emigrante e defende que Santarém tem que criar condições para evitar o êxodo dos jovens que vão estudar para fora e já não regressam para viver e trabalhar.

O estado degradado em que se encontra o edifício do antigo Teatro Rosa Damasceno, no centro histórico de Santarém, é um péssimo cartão-de-visita da cidade e um atentado ao património. Esta é a opinião do jovem actor Gabriel Palhais da Silva, que confessa já ter entrado no edifício quando estava no 10º ano. “Havia um piano, cartazes e bilhetes de espectáculos. Juntei-me com alguns amigos e vestimo-nos à época, dizendo que estávamos à procura de bilhetes para espectáculos. A ideia era que alguém se preocupasse com o que se passa com aquele edifício mas foi um tiro no escuro. Voltei lá, há pouco tempo, com amigos que queriam ver o espaço, mas está cada vez pior e a probabilidade do edifício ruir é enorme”, lamenta.
O jovem de 23 anos, natural de Abrantes e que vive em Santarém desde os 13 anos, conta a O MIRANTE que falou com alguns actores conhecidos como José Raposo e Joel Branco, que actuaram no Rosa Damasceno, mas reconhece que é muito difícil reabilitar o imóvel e devolvê-lo à cultura, até porque é privado. Gabriel Palhais considera que Santarém e Cartaxo, cidades onde trabalha com mais frequência, têm cada vez mais e melhor oferta cultural. “Falta trazer as pessoas às salas de espectáculos. Santarém deveria apostar em mais espectáculos de rua, porque têm sempre uma enorme adesão do público”, sublinha.
Gabriel Palhais da Silva gosta de ter amigos e familiares a assistir às suas actuações e de sentir o carinho dos “seus”. Não tem espírito de emigrante e pretende ficar a viver na zona de Santarém, até porque há cerca de ano e meio comprou casa em Almoster. “Os meus amigos foram estudar para Lisboa e a grande maioria está lá a viver e já não regressa. É fundamental criar postos de trabalho e casas em condições, entre outros atractivos, para que os jovens queiram regressar. Aqui há muito mais qualidade de vida mas se não houver oportunidades de trabalho os jovens não ficam”, afirma.
Na peça de teatro Insulto ao Público teve que fazer uma cena de nudez em que mostrava o rabo. O jovem actor afirma que se fizer sentido no texto está preparado para uma cena de nudez frontal. “Cada vez é algo mais comum, por isso, não choca tanto se for feito com qualidade e bom gosto”, reforça. A mãe sempre o apoiou na vida de actor enquanto o pai ainda lhe pergunta, de vez em quando, quando é que arranja um trabalho.

O orgulho de representar Salgueiro Maia
Gabriel Palhais da Silva tinha 18 anos quando interpretou a personagem de Salgueiro Maia na recriação encenada “Esta é a Madrugada que eu esperava” de celebração do 25 de Abril de 1974. “Até hoje foi o papel com maior destaque que desempenhei. Foram dois anos seguidos até que apareceu a pandemia. Tinha uma consciência geral do que foi o 25 de Abril e a importância de Salgueiro Maia por isso o nervoso miudinho foi sempre muito grande. Foi a experiência que me deu mais visibilidade na região e há pessoas que ainda me reconhecem por esse papel”, conta a O MIRANTE.
O jovem, de 23 anos, nasceu em Abrantes e viveu em Vila Nova da Barquinha até aos 13 anos, altura em que se mudou com a mãe para Santarém. A paixão pelo mundo das artes surgiu por acaso. Ainda na escola de Vila Nova da Barquinha, no 8º ano, foi um dos alunos que participou na peça de teatro “A Tempestade”, de William Shakespeare, e o bichinho ficou lá. Quando chegou a Santarém tentou inscrever-se no curso de Hotelaria e Pastelaria, da Escola Profissional do Vale do Tejo, mas as vagas estavam completas. Por isso, inscreveu-se no curso de Artes e Espectáculo da Escola Secundária Dr. Ginestal Machado. “Comecei por fazer uma peça com o Veto, do Círculo Cultural Scalabitano. Entretanto, também fiz trabalhos com a Área de Serviço, grupo do Cartaxo. As coisas começaram a acontecer”, diz.

“Tem que se repensar o formato das corridas de toiros”

Gabriel Palhais da Silva é ribatejano de gema mas não é aficcionado da festa brava, embora em criança tenha chegado a brincar aos toiros. Os seus pais trabalhavam numa quinta onde o patrão tinha cavalos e era habitual montar. Participou em algumas largadas de toiros e garraiadas e andou na equitação até aos 13 anos. Entretanto, desligou-se da festa brava.
“Por mais que se defenda a nossa cultura não é desculpa para magoar os animais. A cultura muda todos os dias. Daqui por um século pode continuar a haver corridas de toiros mas noutros moldes; será sempre um espectáculo para uma elite. Prova disso é que os bilhetes quase não são vendidos. São os municípios que compram e depois oferecem ou vendem a preços mais baratos. Custa-me esse apoio das câmaras. Não devemos fazer dinheiro à custa do sofrimento dos animais. Tem que se repensar e mudar o formato das corridas de toiros”, considera.

O sonho de viver exclusivamente do teatro

Gabriel Palhais da Silva é um dos membros da Quideia, responsável pela organização, em parceria com a Câmara de Santarém, do Festival de Estátuas Vivas. Este ano esteve a dar apoio mas fez a sua primeira estátua em 2017. Em 2019 entrou na Escola Superior de Teatro e Cinema. O trabalho final da licenciatura foi apresentar, na Sala Garrett, do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, a peça Insulto ao Público, de Peter Handke. Fez pequenas participações em séries e novelas mas a sua verdadeira paixão é o teatro, por existir um contacto mais directo com o público. Se tudo correr dentro do previsto, no final de Dezembro vai participar numa peça com a Companhia Nacional de Bailado, no Teatro Nacional São Carlos, em Lisboa.
Sempre que tem textos para decorar essa torna-se a sua prioridade. Grava as suas falas e dos outros personagens e ouve no carro ou nas viagens de comboio. “A capacidade de resolvermos um problema, como alguém se esquecer do texto e termos que dar a volta, é o que mais me fascina no teatro”. Não tem muitas superstições antes de entrar em cena mas gosta de chegar cedo e ficar sentado na plateia a olhar para o palco ou estar no camarim a rever o texto com calma. O seu maior sonho é viver exclusivamente do teatro, tarefa que sabe ser muito difícil, sobretudo em Portugal. No cinema gostava de interpretar um soldado num filme de guerra, numa mega produção. Também quer fazer formação em escrita de guiões para aprimorar o seu trabalho.

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