A beleza oculta das profundezas na gruta do Algar do Pena

A beleza oculta das profundezas na gruta do Algar do Pena
TEXTOS QUE FIZERAM HISTÓRIA

Um importante património na freguesia de Alcanede, Santarém,

Por entre a serra recortada por pedreiras e salpicada de tojo, vive na escuridão uma gruta decorada com estalagmites e estalactites de formas invulgares. O Algar do Pena, foi descoberto em 1985 no Vale do Mar, Barreirinhas, freguesia de Alcanede, Santarém, em pleno Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e tem interessado diversos especialistas. Em 1997 constitui-se um cenário de interpretação, que recebe o público e dá apoio à investigação cientifica. O MIRANTE visitou-o em Abril de 2002.

Para chegar ao Algar do Pena é preciso subir uma estrada de terra batida que serpenteia a serra. Passa-se por diversas explorações de pedra, onde apenas as máquinas quebram o silêncio. Para muitos as pedreiras podem ser desagradáveis à vista. Mas, ironia do destino, esta importante gruta só foi descoberta devido a uma indústria de extracção de pedra para calçadas, que existia no local. Empresa essa propriedade do senhor Pena, que há muitos anos saltitava de planalto em planalto da serra e que acabou por dar nome ao achado.

No moderno edifício do Centro de Interpretação do Algar do Pena, Olímpio Martins dá as primeiras explicações sobre a gruta. "Em 1992, o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) achou que esta cavidade era importante para servir de centro de interpretação, até porque está numa zona muito importante do ponto de vista patrimonial", salienta.

Sobre a existência de pedreiras no parque natural, Olímpio Martins vê vantagens. "Nos calcários essas indústrias são importantes porque existe outro património abaixo do solo. E se elas estiverem fora da zona natural podem escapar a um controle rigoroso", explicou.

O que distingue esta gruta, na qual cabe o centro comercial das Amoreiras, é a sua gestão que reflecte as preocupações ambientais, pedagógicas e do conhecimento científico. Por isso as visitas são acompanhadas por elementos com formação que pertencem a associações de espeleologia (ciência que estuda as grutas) e que têm protocolos com o PNSAC. Nesse sentido é necessário marcar previamente uma deslocação.

Todas as visitas têm como pedra de toque as mais valias ambientais, de modo a que estas não sejam sobrepostas por impactos ambientais negativos, que possam provocar danos na cavidade. A gruta é assim como uma criança indefesa e desde início tem sido tratada com todo o carinho.

Durante três anos desenvolveram-se no local trabalhos de caracterização da cavidade em termos biofísicos. Estudos que levaram ao estabelecimento da capacidade de carga da gruta em termos de capacidade para acolher visitantes, bem como a sua capacidade de recuperar dos impactos resultantes da presença humana no seu interior. É que as luzes, o dióxido de carbono libertado e a temperatura do corpo das pessoas influenciam o ambiente da cavidade, habituada ao isolamento e à escuridão da qual se alimenta. Foi estabelecido um limite de 120 visitantes por dia.

Às profundezas da gruta só pode descer de cada vez um grupo de 12 pessoas, que recebe toda a informação sobre o local 'através de auscultadores num sistema de telecomentário. informação essa que vai sendo actualizada conforme as novidades científicas vão surgindo. O capacete, equipado com luz frontal, é outro dos equipamentos obrigatórios.

Poucos visitantes da região

A maioria dos visitantes são estudantes a partir do terceiro ciclo de ensino, até porque todos os anos o centro faz divulgação em todas as escolas nacionais. Em termos de zonas do país, o maior número visitas é de pessoas de outras regiões. Os visitantes locais, do concelho de Santarém, são 2,5 por cento e a nível da região são 17 %. Os estrangeiros representam 2,5 % das visitas. A título de curiosidade no ano passado visitaram o Algar do Pena 3.500 pessoas.

"As pessoas quando vêm para além de apreciarem a paisagem vêm também saber as relações dos fenómenos dos calcários. Estas grutas nascem devido à circulação de água subterrânea, por isso é importante também acompanhar o ciclo da água. Ou seja, quando vêm visitar a gruta é necessário também visitar todo o contexto geológico circundante", explica Olímpio Martins.

Refira-se ainda que para além destas é possível também fazer visitas mais restritivas, sobretudo para pessoas ligadas ao desporto aventura. Nesse caso utiliza-se o rappel para fazer descidas pelas grutas e contactar mais de perto com os espeleotemas (formas criadas dentro da gruta).

Interessante é também o facto de existirem acordos com universidades ao nível do Instituto de Conservação da Natureza, entidade que superintende o PNSAC, no sentido de se aumentar o conhecimento cientifico sobre a área. Esses acordos incluem estágios de alunos no Centro de Interpretação do Algar do Pena.

Uma vista deslumbrante

Depois de explicadas as especificidades da gruta, equipamo-nos para uma descida de elevador de 30 segundos. Capacete na cabeça e auscultadores, acompanhamos um grupo de estudantes.

Acabada a descida de cerca de 17 andares abaixo da superfície, entramos num patamar. Uma porta de ferro protege a entrada no algar. As emoções batem mais forte e ganha forma a curiosidade pela descoberta de algo que antes de se ver já se imagina muito belo. Abre-se a porta, acendem-se os projectores.

O guia vai avisando que se vai entrar numa estrutura montada a dezenas de metros acima do fundo da gruta e que é natural que surjam vertigens. O silêncio é regra de ouro. Mas o medo e o tremer das pernas deixam de ser preocupação quando se começa a observar a beleza da gruta.

Descidas umas escadas em caracol, de corrimão borrifado de humidade, chegamos a uma plataforma de 40 metros de desnível. Sentados nos degraus observa-se toda a cavidade com uma área de 1.400 metros quadrados, ocupando um volume estimado em 105 mil metros cúbicos.

Os olhos nem pestanejam perante tão deslumbrante visão. Do tecto pingam gotas de água que vão fazendo crescer as formas do algar. A vista percorre ávida cada particularidade de cada canto.

Durante os 25 minutos máximos permitidos dentro da gruta, tentamos reter tudo. Até parece que não há mais nenhum canto na memória para encaixar mais um pedaço de deslumbramento. Em certas zonas há espeleotemas (formas) de configurações bizarras. Alguns fazem lembrar figuras humanas. Outros transportam-nos para imaginários que só vemos nos filmes de ficção. Não há dúvida que o slogan dos panfletos de divulgação estão mesmo certos: "Uma gruta da ciência ...para as gerações futuras".

No fim regressamos à superfície, mas os nossos olhos parecem cegos de tanta beleza. As luzes voltam a apagar-se para devolver a tranquilidade à gruta. É nessa calma que o Algar do Pena vai crescendo, que vai trabalhando lentamente alterando formas e construindo novas. E cada dia que passa há uma pequena diferença que surge.

Reportagem de João Calhaz

Publicada na edição de 18 de Abril de 2002

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