“O comércio local vence pela qualidade dos seus produtos e atendimento”

“O comércio local vence pela qualidade dos seus produtos e atendimento”

Maria Clara Abadesso, 52 anos, é proprietária da Frutaria Clara, na Portela das Padeiras, em Santarém. É uma mulher resiliente e que não olha para o seu negócio apenas como uma fonte de rendimento. Diz que os impostos são um fardo duro de carregar e que a família é o bem mais precioso que se tem na vida.

A minha infância foi vivida com muito sacrifício e com muito pouco tempo para brincadeiras. Os meus pais eram feirantes e acabei por ser criada nesse ambiente. Levantávamo-nos de madrugada, fazíamos longas viagens, montávamos a tenda, vendíamos e no dia seguinte voltávamos ao mesmo. Gostava de ter ido mais longe nos estudos, mas a vida não me permitiu. Ainda sonhei tirar um curso de cabeleireira mas o meu pai não me deixou. Acho que fiquei de tal forma marcada pela negativa que hoje não ponho os pés numa feira.
Não podemos olhar para um negócio apenas como uma fonte de rendimentos. Durante a pandemia nunca fechei a frutaria e foram várias as vezes que, a pedido de clientes que estavam em isolamento, lhes levei os pedidos que me faziam chegar, sem pensar se estava a ganhar ou a perder dinheiro. Considero-me uma pessoa de bom coração. Oiço muitas vezes que não devia ser tão humilde porque isso me prejudica. Mas o que nos prejudica, na minha opinião, não é a humildade, mas a ganância e as injustiças.
Há pessoas que não têm sensibilidade para estar atrás de um balcão a atender. É preciso dar atenção, valorizar os clientes e fazer com que se sintam bem no nosso espaço. Sou uma mulher de fé e posso dizer que foi Deus quem me valeu nos momentos mais difíceis da minha vida. Todas as noites faço a minha oração, em que peço que proteja a minha família. Já estive em risco de perder a minha casa e essa fase foi, sem dúvida, a que me tirou o sono muitas noites.
Confesso que tenho a mania das limpezas e não saio de casa sem me maquilhar. Gosto de ver o mar e não consigo passar muito tempo sem ir até uma praia, mesmo no Inverno. Olhar para a imensidão do horizonte traz-me paz.
A família é o que de melhor podemos ter na vida. Não percebo aquelas pessoas que estão durante anos sem falar com um familiar por causa de uma zanga. Não consigo estar mal com ninguém, quanto mais com os meus. Uma das maiores alegrias que tenho é juntar a minha família à volta da mesa.
O centro histórico de Santarém está deserto de pessoas. O comércio continua lá, mas parece que se ganhou a mania que ir comprar a Lisboa é que é bom. Toda a minha roupa é comprada aos comerciantes locais e digo com certeza que saio de lá bem servida. O comércio local vence qualquer grande superfície pela qualidade dos seus produtos e atendimento. No meu caso, opto por ter produtos diferenciadores e com uma qualidade que não se encontra em nenhuma prateleira de hipermercado. O pão e os doces caseiros, os enchidos, queijos, frutas e hortaliças frescas e uma garrafeira com mais de uma centena de variedades de vinhos.
As pessoas idosas que vivem mais isoladas muitas vezes vêm à loja só para me cumprimentar ou dar dois dedos de conversa. Por aí também se percebe a importância de se gerir um negócio de proximidade. Só é triste trabalhar tanto para ter que pagar tantos impostos e depois darem dinheiro a quem não faz nada. Trabalhar por conta própria não me permitiu ter tempo para viver a maternidade. Tive três filhos e nunca estive de baixa ou licença. Hoje olho para trás e sinto que me faltou isso. Mas tenho a sorte de ter dois deles sempre perto de mim, porque trabalham comigo.
Sou uma mulher realizada mas que gosta de novos desafios. Em Março vou fazer crescer o meu negócio em termos de espaço e variedade de produtos. Sou realmente feliz a fazer o que faço e naqueles dias em que olho para trás penso: não mudava nada porque tudo foi uma aprendizagem.
Penso no que digo antes de falar para não correr o risco de magoar as pessoas. Não sou impulsiva, teimosa, nem me custa pedir desculpa a alguém.

Artigo publicado a 29-01-2022

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