Filhos sofrem quando são usados como arma numa guerra a dois

Grace Gonçalves coach e analista comportamental foi oradora no workshop promovido pela Junta de Vale do Paraíso

Um divórcio que acaba com um dos progenitores a destruir a imagem do outro perante um filho. Os traumas emocionais que ficam, os vícios que nascem e o perigo do bullying. A analista comportamental Grace Gonçalves foi a Vale do Paraíso consciencializar para os perigos da alienação parental.

Quando o pai saiu definitivamente de casa Grace Gonçalves viu a sua presença ser substituída por um discurso de ódio. Aos seis anos, se a memória não a atraiçoa, ouviu pela primeira vez a mãe dizer que “o pai não presta” e que nem ela nem a irmã deviam passar tempo com ele. Nessa altura ainda não tinha a percepção que o divórcio dos seus pais tinha “estragado a estrutura familiar”, muito menos que ela e a irmã estavam a ser vítimas de alienação parental. Um conceito recente e que pode ainda não ser consensual entre investigadores, legisladores e profissionais da área da família, mas que existe e precisa de ser falado para que possa ser combatido, alertou a O MIRANTE a coach de alta performance e analista de perfil comportamental, na qualidade de oradora, à margem de uma sessão sobre alienação parental, bullying e vícios que se realizou no sábado, 29 de Janeiro, em Vale do Paraíso, Azambuja.
“A alienação parental acontece geralmente em divórcios litigiosos em que é disputada a custódia dos filhos” quando um dos progenitores começa a servir-se de “estratégias de manipulação e tenta denegrir a imagem do outro”, começa por explicar Grace Gonçalves à plateia que assiste à iniciativa promovida pela junta de freguesia, que visou alertar a população para este fenómeno. Normalmente movido pela “raiva e inveja”, o progenitor alienador começa a “incitar a criança a afastar-se” do progenitor alienado “sabendo que isso vai mexer com o ex-parceiro” e ignorando que esse comportamento vai criar “desorganização mental, desespero e sentimento de culpa” na criança.
Voltando a fazer uso da sua história de vida pessoal, com o objectivo de alertar e quebrar tabus, a especialista, natural do Brasil e residente em Vila Franca de Xira, partilha que o comportamento nocivo da sua mãe lhe deixou marcas que duraram até à vida adulta. “Não queria casar nem constituir família depois de ter crescido a ouvir que os homens não prestam”, conta, sublinhando que a alienação parental que se sofre na infância deixa marcas para a vida e que “é difícil passar-se por um divórcio sem que haja consequências negativas para as crianças”.
No exercício da sua actividade profissional Grace Gonçalves depara-se com alguns casos de alienação parental, ainda que normalmente os progenitores não admitam ou identifiquem que o problema pode estar no seu próprio comportamento. Nesses casos, as crianças podem começar a apresentar algumas alterações à forma de estar e de agir e a apresentar emoções contraditórias como apatia, tristeza ou maior actividade, que pode ser confundida com hiperactividade.

Mergulhar num vício em resposta a uma dor

E se pode ser difícil acreditar que uma criança possa ser manipulada por um pai ou mãe, não é mais fácil acreditar que todos os vícios tenham uma origem emocional. A analista de comportamento esclarece que todo o vício, seja ele de “tabaco, bebida, droga, sexo, pornografia, tecnologia ou compras oferece o alívio de uma dor, uma saída para o stress ao mesmo tempo que cria uma ideia de conexão”, de que se pertence a algo, a alguém ou a um grupo de indivíduos com o mesmo tipo de comportamento.
Entre um grupo de crianças não será difícil encontrar uma que seja viciada em videojogos ou em redes sociais. O mais provável é que venham de uma família desestruturada, onde à mesa entram os telemóveis e pouca ou nenhuma conversa, alerta Grace Gonçalves, vincando que estas situações têm que ser “tratadas como um vício”. E não adianta, esclarece, dizer à criança para largar o telemóvel ou o computador. “É preciso perguntar porquê. Questionar qual é a dor que está por trás do vício”.

Prevenção ao bullying deve começar em casa

Na última parte do workshop Grace Gonçalves alertou ainda para o que considera ser um problema crescente entre os jovens e crianças em Portugal: o bullying em ambiente escolar. “É um problema real da nossa sociedade e é preciso sensibilizar pais e professores para que estejam atentos aos sinais das crianças”, disse. “Durante o isolamento [na pandemia de Covid-19] percebeu-se que muitos pais não conheciam nem conseguiam lidar com os filhos”, afirmou, acrescentando que há uma clara ausência de conexão entre pais e filhos, que é preocupante.
A falta de atenção e de empatia em casa pode ser motivo para uma criança começar a desenvolver comportamentos agressivos na escola e ter em casa um perfil adaptado (mais calmo e introvertido). Por isso é que muitos pais não acreditam quando os professores lhes contam que o seu filho agrediu um colega. “É preciso questionar o porquê de aquela criança bater na outra”, conclui, destacando a importância de se adoptar um comportamento empático com uma criança agressora que poderá ter “traumas emocionais”.

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