Sérgio Carrinho: o autarca que fez tudo para o bem dos outros

Presidente da Câmara Municipal da Chamusca durante 33 anos, foi generoso, humano e sensível, tendo conseguido mobilizar, mesmo os opositores políticos, para o desenvolvimento do concelho.
Natural do Pinheiro Grande, Sérgio Morais da Conceição Carrinho (18/1/1949 - 31/8/2025), foi um ser humano excepcional que, ao longo da vida, tudo fez para ajudar os outros a terem uma vida melhor, muitas vezes com prejuízo da sua própria vida.
Apesar de ter nascido no seio de uma família pobre, uma vez que os pais trabalhavam no campo e, para além dele, tinham mais uma filha e dois filhos, estudou até ao 11.º ano, coisa rara naqueles tempos. Quando acabou a instrução primária, ia de bicicleta para a escola da Chamusca, onde estudou graças a uma bolsa de estudo, numa bicicleta que partilhava com o pai.
Nas férias trabalhava na fábrica de tomate da Chamusca (Spalil) e foi aí que continuou a trabalhar até ir para a tropa e ser mobilizado para a Guiné, em 1971, onde passou ano e meio de guerra, como atirador, integrado numa companhia constituída essencialmente por soldados negros.
Após a guerra envolveu-se em actividades políticas, nomeadamente na campanha eleitoral para as eleições legislativas de 1969. Depois do 25 de Abril de 1974, no ano do seu casamento com a namorada de sempre, Elisete, em 1976, foi eleito vereador e três anos depois, em Dezembro de 1979, presidente da câmara.
“Houve duas alturas na vida em que senti medo. Uma delas foi na guerra, onde tive muitas vezes medo, sobretudo no último mês e meio em que temia que me sucedesse alguma coisa depois de tanto tempo, e a outra na noite das eleições. Não foi um medo frio da morte, como na guerra, mas um medo da responsabilidade e de não ser capaz de desempenhar aquela função”, confessou a O MIRANTE, em Fevereiro de 2003.
Sérgio Carrinho venceu pela primeira vez as eleições para presidente da Câmara Municipal da Chamusca em 16 de Dezembro de 1979 e, depois, todas as eleições para aquela autarquia, sempre pela APU e pela CDU (a partir de 1989), não se tendo recandidatado nas eleições de 2013, por estar abrangido pela lei de limitação de mandatos de Agosto de 2005.
Como autarca, mesmo nas alturas em que a CDU tinha maioria absoluta, Sérgio Carrinho sempre fez questão de trabalhar com os eleitos da oposição, tendo-o conseguido em muitas ocasiões, nomeadamente nas alturas da concretização de investimentos estratégicos, susceptíveis de criar emprego, o mais importante dos quais foi a criação do eco-parque do Relvão, na freguesia da Carregueira, nos anos noventa. Na altura a autarquia era a maior empregadora do concelho.
O actual presidente da Associação Industrial Portuguesa, José Eduardo Carvalho, que na altura era presidente da NERSANT - Associação Empresarial de Santarém, ainda recentemente elogiou o sucesso da estratégia, definindo-a como “um exemplo do bom investimento público que foi feito em parques industriais na região”.
Importante e estratégica, foi também, a abertura política, conseguida através de negociações com populações e autarcas da oposição, para a instalação no mesmo local, de diversas empresas, de transformação e valorização de resíduos, tanto domésticos como industriais e perigosos.
O aterro sanitário da Resitejo foi o primeiro equipamento na área do tratamento e valorização de resíduos a instalar-se, em 1999. Seguiram-se os CIRVER (Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos perigosos), e a incineradora de resíduos hospitalares.
Um rude golpe no seu trabalho autárquico foi provocado pelo incêndio de grandes proporções, de Agosto de 2003, durante o qual morreram quatro pessoas, arderam 30 mil hectares de floresta, fábricas e terrenos agrícolas, ficaram destruídas 20 habitações nas freguesias de Pinheiro Grande, Ulme e Vale de Cavalos. Na altura, Sérgio Carrinho, falou num retrocesso de uma década.
O trabalho feito, na altura e posteriormente, confirmou a sua capacidade de liderança e de empatia com a população, confirmadas também com os resultados eleitorais nas autárquicas seguintes, em 2005, em que obteve uma maioria absoluta com uma percentagem de 57,4 por cento.
O incêndio da Chamusca teve destaque de primeira página em jornais nacionais, mas não foi a única vez que o autarca teve direito a destaque nos media de Lisboa. Isso aconteceu também numa altura de crise económica da autarquia quando, em Fevereiro de 2006, numa acção inédita, Sérgio Carrinho começou a organizar leilões de artigos e objectos sem préstimo que se encontravam depositados nos armazéns da autarquia, tendo conseguido, até Janeiro do ano seguinte, 55 mil euros para o município. O autarca, conhecido pela sua paixão por antiguidades, assumiu o papel de leiloeiro.
Considerado uma pessoa honesta e incorruptível, não se livrou de pelo menos uma acusação de prevaricação e de falsificação de documento, de que foi ilibado pelos tribunais, em 2015, já depois de ter deixado de ser autarca, tendo sido considerado que agira no interesse do concelho. E não foi acusado de qualquer crime, pelo Ministério Público quando, por iniciativa própria, foi à Polícia Judiciária de Leiria, em Setembro de 2005, confessar aquilo que considerava serem irregularidades cometidas por si na gestão do município.
Para além dos investimentos a nível económico, Sérgio Carrinho promoveu a cultura, e a reabilitação de património, sabendo aproveitar todas as oportunidades geradas por fundos comunitários e influenciando governantes de áreas políticas diferentes. Foi eleito pela redacção de O MIRANTE Personalidade do Ano na área da política, tendo recebido a distinção em Fevereiro de 2009. Alberto Bastos
Nota: Mais informação e testemunhos na página 17 desta edição.
