Crónicas do Brasil | 26-05-2016 16:03

Nostromo

Nostromo é corruptela do italiano nostro uomo (nosso homem), expressão celebrizada desde o século 19 pelo Império Britânico. Nosso homem, no caso inglês our man, era um agente, secreto ou não, a serviço do Império em alguma republiqueta periférica. O romance de Conrad se passa num país imaginário da América Latina no qual um inglês, entre outros ingleses, explora uma mina de prata.

Faz pouco tempo, em entrevista ao The New York Times, a escritora norte-americana Usula K. Le Guin, ante a inevitável pergunta sobre o que andava lendo ultimamente, respondeu que tende a evitar romances sobre pessoas da classe-média urbana disfuncionais escritos no tempo presente, e que isso, às vezes, tornava difícil encontrar um novo romance. Pela mesma razão tem sido brabeira encontrar por aqui boa ficção literária, daí uma volta salutar aos chamados clássicos. Já o disse aqui ao comentar Os miseráveis, de Victor Hugo. De um monumento a outro, passei a Nostromo, de Conrad.

Nostromo é corruptela do italiano nostro uomo (nosso homem), expressão celebrizada desde o século 19 pelo Império Britânico. Nosso homem, no caso inglês our man, era um agente, secreto ou não, a serviço do Império em alguma republiqueta periférica. O romance de Conrad se passa num país imaginário da América Latina no qual um inglês, entre outros ingleses, explora uma mina de prata. Como o país é sacudido por revoluções e contrarrevoluções periódicas, a primeira carga de prata a ser despachada para fora fica sujeita a cair nas mãos do partido que tomava de assalto o poder naquele momento.

A prata é salva por um capataz do porto, um italiano de nome Giovanni Battista, fiel aliado dos ingleses, daí porque estes o chamam, em mau italiano, de Nostromo. A prata é salva com a ajuda de um francês que se mata antes de ser encontrado e morto pelos inimigos. Como a prata é dada por perdida após o naufrágio da chata que a transportava, Nostromo recupera o tesouro e o toma para si, em pagamento dos relevantes serviços prestados aos donos do pais. O capataz dos portos tem um pai intelectual, o velho Viola, dono de um hotel, que é anarquista. Mas isso é outra história.

Em meados dos anos 1950, enquanto em Cuba alguns barbudos subiam a Sierra Maestra para sublevar o país contra a ditadura de Fulgêncio Batista, o norte-americano Graham Greene escrevia um romance intitulado Nosso homem em Havana, que seria publicado erm 1958, um ano antes da tomada do poder por Fidel e seus homens. Tudo isso, e porque nem só de literatura se vive e se pensa, me veio à cabeça por esse dias, quando as revoluções parecem fora de moda e se toma o poder a golpe institucional amparado nos tribunais superiores.

Onde está o our man do Império do momento? Pelo visto não é mais necessário manter um agente fisicamente instalado em um país para dominá-lo. Nos tempos da comunição instantânea a espionagem se faz digitalmente. O interessado em submeter um país ou sujeitar sua economia, que é o que de fato importa, não precisa mandar agente ou recado. Já no dia seguinte à mudança de governo deste lado do equador as redes sociais estavam repletas de posts com o mapa do Brasil, representado como pessoa, a oferecer de joelhos a Obama a riqueza do pré-sal avaliada entre 50 a 70 bilhões de dólares. O império da vez poderia então dizer que possui um Nostromo no Brasil, depois do silêncio que manteve enquanto por aqui se desenrolava a tomada do poder pelo seu atual ocupante.

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