Crónicas do Brasil | 12-08-2016 10:29

“POIS É” e “APESAR”

Com tantos desmandos políticos e a economia periclitante, em termos de literatura o Brasil se mantém quase como deve, ou como pode. Do ensaio crítico à ficção, da poesia a uma antologia que congrega gêneros, este país ainda é terra que tudo dá.

Com tantos desmandos políticos e a economia periclitante, em termos de literatura o Brasil se mantém quase como deve, ou como pode. Do ensaio crítico à ficção, da poesia a uma antologia que congrega gêneros, este país ainda é terra que tudo dá.

Em crítica, Carlos Cortez Minchillo fez o melhor livro sobre Erico Verissimo dos últimos anos, na linha do que antes fizeram Flávio Loureiro Chaves (Erico Verissimo: realismo e sociedade) e Maria da Glória Bordini (Criação literária em Erico Verissimo). São estudos fundadores, como não deixa de ser o de Minchillo, Erico Verissimo, escritor do mundo: circulação literária, cosmopolitismo e relações interamericanas (Edusp, 2015), que focaliza a face globe-trotter do escritor, e põe em discussão o papel que Erico teve aqui e em âmbito internacional, ao ambientar romances em outros países, publicar literatura de viagem e fazer diferença nos debates globais do seu tempo (quando nem se imaginava esse atual trânsito globalizado).

Em entrevista ao jornal O Globo de 22 de julho de 2016, Ignácio de Loyola Brandão reclama que os novos escritores brasileiros em geral ignoram os problemas do país. No momento em que conquista o grande prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra, Ignácio sabe, como Erico também sabia, que o contador de histórias tem compromissos e, como disse, falta aos jovens escribas “enfrentar melhor a realidade do país”.

Entre os romancistas que hoje têm cerca de cinquenta anos de idade, poucos se mostram de fato conscientes do que então chamávamos realidade nacional; quem se impõe, e forte, é Miguel Sanches Neto, que acaba de lançar A Bíblia do Che (Companhia das Letras, 2016), seu sétimo romance. Como em Erico e Ignácio, em Miguel temos igualmente enredos tratados de maneira cristalina e bem definidos, e a linguagem do romance em sua temperatura máxima, dentro do seu/nosso tempo e suas feridas.

Em poesia (na próxima coluna voltarei aos poetas, que são muitos e diversos) fiquemos por enquanto com Luís Antonio Cajazeira Ramos, Poesia reunida (Papel em Branco, 2016), e Carlos Felipe Moisés, Dádiva devolvida: poemas escolhidos (Lumme, 2016). Ambos poetas complexos na melhor herança camoniana, que conhecem bem a estrada real da criação poética do ocidente, oxigenados por um ânimo clássico e por vezes até hiperbólico. O primeiro com o raro domínio da máquina do soneto e da imprecação a la Gregório de Matos; o segundo, com seus ritmos generosos, sua metafísica e sua música, senhor do que se costuma chamar, em música, de ouvido absoluto. São poetas que trabalham o verso livre com a mesma desenvoltura das formas fixas, firmes no que buscam e exímios no que encontram.

Apesar de não gostar do adjetivo, escrevo: antologia estupenda esta que acaba de publicar o nosso Flávio Moreira da Costa: O melhor do humor brasileiro (Companhia das Letras, 2016). Da mitologia indígena à crônica de Antonio Prata, temos muito do que fomos e somos em matéria de humor com Gregório de Matos e Machado de Assis, França Júnior e Qorpo Santo, José de Alencar e Raul Pompeia, Luis Gama e Olavo Bilac, Lima Barreto e Mário de Andrade, Rubem Braga e Millôr Fernandes, Carlos Heitor Cony e Luis Fernando Veríssimo, entre outros grandes atletas do humor brasileiro – e não posso deixar de lado uma das epígrafes escolhidas, que é de Mário Quintana: “Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta”.

Antologias temáticas aqui tiveram com Raimundo Magalhães Júnior um bom braço para as primeiras picadas e trilhas, mas foi Flávio Moreira da Costa quem a partir delas cuidou de abrir avenidas e estradas federais. Nessa sua atividade paralela, é sem sombra o nosso grande maestro porque tem ciência dos cambiantes caminhos do romance (escreveu vários), do conto e do ensaio.

“Pois é” e “apesar”: naquele que foi o antigo país do futebol, tudo ainda vale a pena se a alma..

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