Crónicas do Brasil | 09-03-2017 10:00

As circunstâncias e seus espelhos

Na última nota para este espaço, prometi escrever sobre poetas, mas volto a comentar ensaístas.

Na última nota para este espaço, prometi escrever sobre poetas (e alguns estão na ordem do dia), mas volto a comentar ensaístas, de início uma nova coletânea de Leyla Perrone-Moisés: Mutações da literatura no século XXI (Companhia das Letras, 2016), livro escrito com muita elegância e erudição, e de modo simples e direto como só os bons autores conseguem. Ah!, a tão almejada simplicidade, a mais cativante das simplicidades. Como se a ensaísta se dispusesse a seduzir o leitor arredio, como fizeram e fazem alguns astrofísicos ou historiadores de maior comunicação com o público, e são poucos aqueles que, nessa seara, não falseiam. Discípula de Barthes, Leyla Perrone-Moisés conhece bem esses tortuosos caminhos.

Sobre a crítica literária propriamente dita, Leyla afirma em seu livro que o “tempo é também juiz dos críticos literários”. E acrescenta tudo o mais que é necessário dizer e que a maioria dos nossos escritores silencia: “Os grandes críticos são aqueles que conseguem dizer algo novo a respeito das obras antigas, e são capazes de reconhecer uma nova obra de valor (portanto virtualmente duradoura) no mesmo momento em que ela é publicada. Eles são tão raros quanto os grandes escritores.”

Esta maneira clara de expor assuntos até certo ponto complexos é sem dúvida oriunda da maturidade da ensaísta, cada vez mais reconhecida e admirada não apenas no meio acadêmico. Livro arejado e plural, Mutações da literatura no século XXI nos convida ao não alheamento, à participação, ao bom convívio dos livros e da literatura, e é o que temos de melhor no ambiente um tanto amorfo da atual crítica literária brasileira.

Outro ensaísta de boa envergadura, claro e visceral no que pensava e escrevia é ninguém menos que Alexandre Eulalio (1932-1988). Ele reservava (digo melhor: reserva, porque em livro aí está, vivo) um olhar amoroso para tudo que pressentia e encontrava digno de atenção no mundo das artes. Nunca se preocupou em escrever livros: escreveu textos, e sobre o que lhe parecia essencial no ir e vir das modas e das gentes. Arte plástica, teatro, poesia, música, cinema, filosofia, tudo serviu para que buscasse recolher do rumor do mundo, em novas ou velhas paisagens, as circunstâncias e seus espelhos. Os brilhos todos: ensaio, crônica, artigo, entrevista, apresentação, nota, crítica, resenha, poesia etc. (Companhia das Letras, 2017) é tudo o que título insinua, miscelânia coesa em assunto e visão; tudo, como se costumava dizer em outro tempo, bordado com finura e gosto. A estrutura do livro ficou por conta do organizador, Carlos Augusto Calil. O prefácio de Vilma Arêas e a imagem da capa, óleo de Maria Leontina de 1967, completam o mágico desenho de um Alexandre Eulalio que aos poucos descobrimos cada vez mais e melhor, depois do Livro involuntário (UFRJ, 1993) e do número especial da revista Remate de Males, naquele mesmo quinto ano da morte do autor, 1993.

A epígrafe de Os brilhos todos não podia ser mais sentida e exata: “ - todos os reflexos, os brilhos todos, todas as pátinas.”

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