Crónicas do Brasil | 06-07-2020 20:55

Mário Coelho, RIP! Acreditamos que ele te matou, Glória Bendita!

Mário Coelho, RIP! Acreditamos que ele te matou, Glória Bendita!
CARTAS DO BRASIL

Sobre a morte de Mário Coelho, o toureiro vilafranquense que conviveu com as figuras mais ilustres da arte e do espetáculo.

5 de julho, domingo de sol, vejo uma tímida procissão de varinos, um a um, a contrariar a ordem do dia que era evitar o aglomeramento, mas parecia que o Tejo lhes abria os braços para acederem a Vila Fanca de Xira, vestida de silêncio encarnado, com alguns fios de trompete vazando de algumas portas sem luz no interior, em luto, não haveria tourada e isso era uma tristeza para a metade do Concelho. Nada comparado à alegria triste da manchete que se faria ler na madrugada desta segunda-feira. O touro matou Mário Coelho!

Para quem não sabe nada de tauromaquia, para quem se arrepia de horror com a imagem de um touro sangrando sem poder morrer, como em Espanha, retendo seus trinta e tantos litros de sangue e depois enfrentando moribundo 70 graus de calor até ser carneado, espetáculo que não é presenciado por aquela multidão embriagada, lá na arena, por toneladas de história transcendente até mesmo ao seu alcance cultural, é um cenário bárbaro de facto.

Mas você está confinado por causa de um microscópico bichinho que penetra na sua célula, lhe sangra por dentro parando seus pulmões e pode lhe matar em poucos dias, de febre, após você transferir colônias desse bicho maldito para outras pessoas e isso também é uma barbaridade ultra moderna, pós era espacial, uma coqueluche viral sem precedente.

Então você escolhe o caminho racional, asséptico, decide não comparar uma coisa com a outra e a vida segue, incerta, todavia, porque ainda não se sabe aonde isso tudo vai nos levar.

E relê a manchete: Mário Coelho, o “Maestro”, morre por Coronavirus.

Agora entendo o Tejo, e lembro da frase de um Xamã do Xingu (Brasil) de quem ouvi ao cobrir um evento chamado Grito das Águas, certa vez há quase vinte anos, quando o japonês Dr. Emoto (in memoriam) fotografava cristais de água das fontes sobre o maior aquífero do mundo, o Aquífero Guarani, aquele Xamã chamava a atenção para a mensagem da água, a linguagem da água, 70% de corpo humano, mesma proporção da superfície da Terra; “ao entrar no mundo das águas você passa para outra dimensão cósmica”. Especialmente as águas que viajam pelos leitos dos rios, carreando sais minerais até o mar que por sua vez e não por acaso abriga as mesmas características do plasma sanguíneo humano.

Lembrei disso, caminhando pelas ruas de Vila Franca de Xira, mas somente entendio porquê ao acordar e ver um “post” do amigo Ivo Sousa, profissional de animação 3D que trabalha na Fábrica das Palavras, Biblioteca Municipal de VFX, sentido pela passagem do Maestro: “É com grande pesar que recebi a notícia do falecimento do Maestro Mário Coelho. Finíssimo no trato, cada conversa sua era uma enciclopédia sobre touros, um discurso eloquente, bem ao jeito de toda a carreira que granjeou por esse mundo fora, elevando sempre o orgulho que tinha de ser vilafranquense. Não me esqueço do projeto que me pediu Maestro. Bem haja”. O que terá sido prometido pelo Ivo, um dia vou saber, quem sabe…

E descubro que modestamente tinha algo em comum com Mário Coelho, sua proximidade com Ernest Hemingway. Descobri pela bela reportagem / entrevista por Daniela Soares Ferreira e Vítor Rainho (20 de maio de 2019)

https://sol.sapo.pt/artigo/701955/mario-coelho-todo-o-toureiro-que-e-morto-por-um-toiro-e-a-gloria-maxima-

Ora bem, permitam-me caros vizinhos, começar com uma locução à portuguesa, já a muito que me sinto em casa, pois, cravo uma resposta de Mário Coelho aos repórteres citados: “…não atingi um grau cultural que tinha o Hemingway ou o Orson Welles ou até o próprio Picasso, mas convivi com eles.” – Correção, nobre Maestro, atingiu sim senhor. Soube que conhecestes Hemingway, entre tantos outros de mesmo ou mais alto naipe, Picasso, Orson Welles, Ava Gardner, Sara esposa de Abraão em “A Bíblia, o começo”, entre outros maridos, Sinatra incluído… Não é pouco, caríssimo Maestro. Fiquei sabendo que andastes com Hemingway, ele à boleia, por Valladolid a procura de Tascas. Poesia pura e imagens de guerra, a Guerra Civil Espanhola cujo palco principal incluiu aquelas estradas por onde dirigiu uma semana bebendo copos com o Hemingway. Gostei do que contastes para Daniela e Vítor, quando Hemingway esbravejando comentara: “Como é que esta gente não entende que eu só escrevo quando tenho talento, quando tenho vontade de escrever? Isto não pode ser assim como eles querem”; emendando de seguida para si: “Eu dava tudo para pôr um par de bandarilhas como tu”; disse-lhe bem, Maestro, em pensamento, mas disse-lhe demasiado modesto: “E eu dava tudo para escrever uma página como o senhor escreve”. – Escreveste muitas páginas, muitas, fostes mais do que o escritor, fostes os personagens em carne e osso e seus touros.

Agora entendo o que o Tejo estava a me falar, vindo lá de sua nascente na Espanha, me traz à memória a tradução que pude fazer para a Bertrand, do mais completo romance de Hemingway, “Por Quem os Sinos Dobram”.

Eles dobram por ti, hoje. Provavelmente com uma nota suave e triste, alegre e melancólica de trompete a pairar nas ruas de Vila Franca de Xira. E conseguiste, como se diz em Espanha: Glória bendita!

Luís Piazê

www.luispeaze.com

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