Crónicas do Brasil | 20-10-2022 15:40

Onde o fascismo e o capitalismo misturam suas águas

Vinicius Todeschini

O neoconservadorismo no Brasil é uma força de extrema-direita, mobilizada em aprofundar o neoliberalismo no país e desejosa de um governo totalitário para aprofundar rapidamente as mudanças que desejam. O liberalismo é a Terra Prometida e o povo é Moisés.

                Os líderes totalitaristas entraram para a história pelas atrocidades que cometeram em nome de projeções criadas a partir do seu próprio medo e manipuladas no amalgamado de mitos, lendas e crenças do seu povo. Os liberais, no entanto, sempre tentaram enganar esse mesmo povo com conceitos de liberdade econômica e empreendedorismo, enquanto defendiam a escravidão e participavam do tráfico de escravos, lucrando enormes somas com isso. Republicanos de calças curtas, como diria, chistosamente, o saudoso Leonel Brizola. Era inevitável, no entanto, que esses rios enlameados de ideologias e crenças, navegados por velhos e novos oportunistas, se encontrassem algum dia e, aos poucos, assim como o rio Solimões e o rio Negro, misturassem as suas águas.

Hoje em dia é tanta gente vendendo a alma e dando o corpo como garantia, que eu acho que tenho alguma chance de ir para o céu, na repescagem das almas, é claro, mas não me iludo, porque a ciência aponta para um conhecimento cada vez maior das energias com suas interações e como elas podem produzir fenômenos que levam a interpretações espirituais, como os Campos Mórficos do biólogo Rupert Sheldrake. No entanto, é no campo das ideologias que se decide o presente e, principalmente, o futuro, muito embora o resultado sejam discursos oportunistas em cima das tensões criadas, entre as construções subjetivas e a realidade contextual de cada lugar. No Chile, por exemplo, o neoliberalismo foi imposto por uma ditadura sangrenta. Lá, os contextos e a forma, mas, principalmente,as consequências para o povo foram completamente diferentes do que em outros países, considerados democráticos.

Em sua exaustiva pesquisa sobre o liberalismo, o filósofo italiano Domenico Losurdo, desnuda John Locke, o grande expoente da luta contra o poder absolutista, mas defensor do poder absoluto do patrão branco sobre o escravo negro, paradoxalmente, Jean Bodin, teórico do absolutismo monárquico, condenou esse poder assimétrico e cruel. E o paradoxo continua, Andrew Fletcher de Saltoun, defendeu a escravidão para os incapazes de providenciar a sua sobrevivência, atacando, inclusive, a igreja cristã pela ajuda humanitária aos necessitados. Thomas Jefferson saudava Fletcher como um grande republicano, mas Jean Bodin, monarquista, defendeu a liberdade para todos, inclusive os vagabundos e ociosos. A palavra –liberalismo– serve para várias coisas e a maioria delas não significa liberdade, nem direitos iguais.

O capitalismo neoliberal permite aos poderosos transferir para a população o ônus de transformar o país em nação, enquanto se divertem em Miami. Políticas liberais puristas implementadas pelos donos do poder, em países pobres, se mostraram desastrosas, porque retiraram direitos duramente conquistados pelo povo, em troca da livre concorrência contra os quais não têm nenhuma chance de competir, quanto mais de vencer. Na América Latina, inúmeros golpes militares sangrentos impuseram regimes liberais e tornaram a vida do povo ainda mais dura. A falta de qualquer projeto nacional e o objetivo centrado no binômio: dinheiro e poder, fez com essas elites adotassem um capitalismo radical sem políticas de proteção social ou investimentos na educação pública de qualidade, o resultado é visível nas grandes cidades latino-americanas,com a miséria se espraiando e aumentando as doenças, a criminalidade, o tráfico de drogas e a milícia, enquanto crescem os condomínios e os bairros fechados, dividindo ainda mais a população.

No Brasil, o liberalismo foi se descentrando em direção ao interior com a adesão dos ricos produtores rurais, que mesclaram seus interesses com as suas crenças, apaziguando assim qualquer tipo de culpa que por ventura tivessem. A herança maldita que sustenta o racismo estrutural no país tem suas raízes fincadas em um Brasil rural e o atraso do retorno do recalcado se dá, também, pela geografia complicada do país e a incompetência dos governantes. Se vendiam áreas no Centro-Oeste, nos anos 70, para a colonização, mas os proprietários não tinham como chegar aos lotes. Nos anos 90, as estradas eram de terra, na maioria dos lugares da região, e uma viagem de 100 Km podia demorar de três a doze horas, dependendo das condições climáticas. O neoconservadorismo no Brasil é uma força de extrema-direita,mobilizada em aprofundar o neoliberalismo no país e desejosa de um governo totalitário para aprofundar rapidamente as mudanças que desejam. O liberalismo é a Terra Prometida e o povo é Moisés.

Vinicius Todeschini 17-10-2022

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