Crónicas do Brasil | 07-11-2022 17:59

Amoral, mas hipócrita

Vinicius Todeschini

O processo democrático é angustiante muitas vezes, porque demanda uma capacidade infinita de negociar e para isso é preciso convencer. Nesta eleição para presidente ficou claro, para todos, o baixíssimo nível do debate político entre os brasileiros, criando uma planície interminável com um tráfego irrefreável de mentiras, conflitos e manipulações.

Sem a hipocrisia viveríamos em contendas e sem polícia nos mataríamos a todos. Sim, estruturas sociais não rompem facilmente, mas mesmo assim possuem pontos de ruptura já mapeados, não feitos, previamente, em seu projeto original, porque o autor não assinou a obra, mas pelos estudos feitos através do longo processo de construção e de rupturas cíclicas no tecido social através do tempo. Crer, que uma estrutura que surgiu de um lento e doloroso processo desapareça, simplesmente, porque foi derrotada é um ledo engano. Defensores do autoritarismo e da imposição de uma minoria sobre a maioria, através da força, baseados em crenças de superioridade racial, de gênero e de cor não irão desaparecer. Os ideólogos do totalitarismo sempre criaram o caos para se beneficiar dele, através de ações organizadas, antecipadamente, e com tropas dispostas a tudo para impor o terror e depois controlá-lo, como se fossem os salvadores da pátria ameaçada, na verdade por eles mesmos. É um jogo repetido através da história e sempre funciona, porque técnicas se aperfeiçoam e novas tecnologias propiciam outras possibilidades para enganar e, quando se juntam em um só ser, a maldade e a criatividade, concomitantemente, o estrago é grande. Pois bem, os projetos totalitários deixaram marcas de destruição onde foram impostos, sendo a sua imposição, por si só, sempre violenta e destruidora, de fato e por princípio.

O processo democrático é angustiante muitas vezes, porque demanda uma capacidade infinita de negociar e para isso é preciso convencer. Nesta eleição para presidente ficou claro -para todos- o baixíssimo nível do debate político entre os brasileiros, criando uma planície interminável com um tráfego irrefreável de mentiras, conflitos e manipulações. A radicalização é um epifenômeno da estupidez com que se trata a coisa pública no país, desde a redemocratização, por isso era inevitável que em algum momento isso viesse à tona. Se Aécio Neves tivesse saído vitorioso das eleições de Dilma Rousseff, em 2014, certamente isso continuaria adiado, porque ouso dizer que, o aliado de Aécio, Sergio Moro, seria o Ministro da Justiça e ganharia de Aécio Neves uma indicação para o Supremo Tribunal Federal. Pronto, não haveria Lava-Jato, o Lula não seria preso sem provas e o fascismo latente, em parte da população brasileira, não se consubstanciaria em bolsonarismo. Bolsonaro não desistiria, mas teria que esperar indefinidamente para tentar chegar ao poder, claro que isso dependeria do desempenho dos governantes, entre outras coisas.

O Brasil tem uma lentidão burocratizada criada por ternos de linho sob o sol tropical, por isso muitas coisas não tem o efeito temporal previsto, mas como todas as coisas são impermanentes e Shiva pode estar ocupado demais na Índia para vir ao Brasil atuar, sonhamos em berço esplêndido com um novo tempo, onde, pelo menos, nossos compatriotas não passem fome, nem vergonha. O que aconteceu nesses últimos quatro anos não podem ser esquecidos, porque não merecemos um neoliberalismo feroz e tardio, disposto a concentrar mais renda na mão dos ricos, enquanto desaparecem as classes intermediárias em brutal pobreza e inadimplências. Não merecemos –também- mais um regime totalitarista sob tacões militares e arroubos populistas, porque somos melhores que isso.

A hipocrisia baseada em fundamentalismo religioso e no discurso; tradição, família e propriedade é cansativa, porque desafia qualquer racionalidade e, sem nenhuma razão, aponta para o próximo e mais largo cruzamento do país, onde se encontram o fanatismo e a barbárie. Sequestrar símbolos que são apenas isso, símbolos e não matam a fome de comida e de cultura do povo e criam ainda mais alegorias para os hipócritas e amorais desafiarem a verdade com suas bravatas e mentiras e crucificarem, novamente, o Cristo depois de roubarem à Santa Ceia. Os amorais que se apropriaram de discursos e alegorias nacionalistas sem nenhuma base real de mudança para o povo sofrido, merecem, sem dúvida alguma, conhecer a verdade e a verdade os condenará, porque nunca acreditaram no que falavam e jamais praticaram o que disseram. Os fariseus da última hora confirmam a tradição, porque confiam no medo.

Vinicius Todeschini 07-11-2022

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