As metástases do fascismo
O que nos anima são as instituições que parecem resistir ao assédio insidioso dos extremistas. Hoje, 15 de dezembro de 2022, o TSE confirmou a multa de R$ 22,9 milhões ao PL, partido de Bolsonaro, por litigância de má fé, em decisão unânime. A Corte também manteve o fundo partidário do PL bloqueado, até o pagamento da multa.
O Brasil está vivendo um momento histórico com dissensões nunca vistas, desde a redemocratização do país. Com a cooptação de boa parte das polícias pelo bolsonarismo feroz, as explosões de violência que aconteceram em Brasília, sem qualquer resquício de ordem e controle pelos órgãos de segurança, só confirmam isso. Aparentemente em sintonia com os desordeiros, alegaram uma estratégia de redução de danos e do acirramento dos ânimos para justificar o fato de ninguém ter sido preso. Os fatos são impressionantes, existe até uma foto mostrando um policial sorrindo -empaticamente- para um dos desordeiros. Carros e ônibus foram destruídos e incendiados e houve, inclusive, uma tentativa de jogar um ônibus de um viaduto próximo à sede da Polícia Federal. A milícia armada de paus e ferros seguiu em direção ao hotel onde o presidente eleito está hospedado, mas foi detida pela tropa de choque.
Nos primeiros anos do fascismo italiano, a política econômica adotada foi liberal, mas a partir de 1925, Mussolini, começou a dar uma guinada rumo a um controle cada vez mais estrito, culminando, em 1934, com três quartos das indústrias italianas nas mãos do Estado. Ele adotou algumas estratégias keynesianas, Keine, um revisor do liberalismo, admitia intervenções na economia pelo Estado, principalmente com políticas fiscais e o Duce via isso como uma “introdução útil à economia fascista”. Como se percebe, em regimes totalitários, sejam de que ideologia forem, o interesse em se manter no poder, sempre supera qualquer prurido ideológico. No Brasil, a tentativa de impor um regime fascista, muito embora tenha sido rechaçada, as suas metástases se espalharam por todo território nacional e a chance de uma delas assumir o papel de um tumor insuperável continuará existindo.
Na China atual o capitalismo é um fato, mas os salários da maior parte da população ainda são ínfimos e os direitos sociais, assim como os direitos civis, continuam submetidos a um regime discricionário. Sem cair em uma definição, dicotômica e simplista, de capitalismo de Estado ou socialismo de mercado, o fato é que as desigualdades próprias dos regimes neoliberais estão cada vez mais presentes na China, com o crescimento de uma classe média cada vez mais alta e mais distante da maioria, submetida a baixos salários e a péssimas condições de trabalho. O padrão chinês de não se mexer nos de cima, só nos de baixo, apontado por Elizabeth Perry, continua vigorando, contribuindo para o alto nível de corrupção entre Estado e empresários, mas, mesmo assim, existe um ativismo político em crescimento nesse país, o que é um alento e um sinal de alerta aos dirigentes chineses.
O Brasil reagiu, em nível institucional, de forma contundente e o ministro, Alexandre de Moraes, despontou como o inimigo número um dos golpistas, sempre pronto a agir em defesa da democracia brasileira. É preciso, no entanto, avançar com reformas políticas e tributárias, o que é muito difícil e complicado em um país que continua feudal em muitos aspectos. O presidente eleito, por exemplo, precisa rever alguns dos seus conceitos, para não insistir em anacronismos e avançar nesses temas espinhosos, como a taxação das grandes fortunas, a desideologização das polícias, além das grandes reformas estruturais já citadas anteriormente. Se Lula se concentrar em resolver, tão somente, os problemas prementes, que sem dúvida são vitais, e não avançar sobre os estruturais, que são a causa da desigualdade e da fome de um terço da população, certamente os representantes da extrema-direita voltarão em 2026 ainda mais fortes, com a sua pauta de costumes retrógrada e a velha política econômica neoliberal concentradora de renda. O que seria um desalento para a maioria que sonha com um país mais justo!
O bolsonarismo despertou forças latentes que hoje estão plenamente manifestas, o que é preocupante. Frases como esta: “O STF é o povo”, leia-se; “o Superior Tribunal Federal é o ditador de plantão”, é assustadora pelo que encerra de potencial maligno. Em 2013, durante as manifestações que culminaram em desordem e quebra-quebra patrocinadas pelos cães de guerra da extrema-direita, infiltrados na multidão pacífica que, aliás, não sabia da causa e muito menos das consequências de tudo aquilo, confirma a possibilidade da radicalização se instalar a qualquer momento. Em uma população, onde a sua maioria é alienada da realidade política e com enorme potencial para ser manipulada, todo movimento extremista que tenha poder de cooptar e direcionar pode se transformar em algo fora de controle.
O que nos anima são as instituições que parecem resistir ao assédio insidioso dos extremistas. Hoje, 15 de dezembro de 2022, o TSE confirmou a multa de R$ 22,9 milhões ao PL, partido de Bolsonaro, por litigância de má fé, em decisão unânime. A Corte também manteve o fundo partidário do PL bloqueado, até o pagamento da multa. O ministro Alexandre de Moraes também salientou em sua decisão o caráter pedagógico da sanção, o que é alvissareiro em um país famoso no mundo inteiro pelo “jeitinho brasileiro”, uma forma de ajustar os julgamentos aos interesses dos poderosos, mas sem fazer justiça alguma.
Vinicius Todeschini 15-12-2022