Crónicas do Brasil | 14-01-2023 17:11

Uma ameaça permanente à democracia

Vinicius Todeschini

O general Hamilton Mourão publicou esta semana em seu Twitter, que os terroristas presos em Brasília estariam sendo maltratados, que as suas prisões seriam indiscriminadas e estariam confinados em condições precárias nas instalações da PF ( : ) Como se percebe, o general não perde tempo para faturar em cima deste segmento e mantém a sua estratégia de cooptar os extremistas.

A história das Forças Armadas brasileiras é contraditória e, ao longo de uma tradição de golpes e de conspirações, os militares brasileiros conseguiram impor à “Constituição Cidadã” o artigo 142, que torna ambíguo os limites da sua atuação. O artigo em questão continua sendo alvo de discussões e Bolsonaro, quando ainda presidente, citou este artigo inúmeras vezes para ameaçar os outros poderes. É importante ressaltar que dentro da sua estratégia maior, o golpe, ele sempre exibiu um arsenal de táticas para atacar com inverdades e distorções interpretativas os fatos e depois, em função de repercussão negativa das suas colocações, recuar e dizer que foi mal interpretado. Os quatro anos de Bolsonaro foram marcados por constantes ataques às instituições democráticas, buscando destruí-las de dentro para fora, mas, apesar de todo o arsenal usado, ele fracassou, inclusive no seu projeto maior que era o da reeleição e agora a sua face golpista está escancarada, como se viu nos atos terroristas do último domingo, dia 8 de janeiro.

Na discussão da Assembleia Constituinte, em fevereiro de 1988, os setores progressistas fizeram uma barganha com a extrema-direita para conseguirem impor a sua pauta de avanços sociais, mas em troca deram o texto final deste artigo. A única comissão que tinha um presidente e um relator da mesma linha ideológica foi, justamente, a que criou o artigo 142. O presidente da comissão era Jarbas Passarinho, militar de carreira e um dos quadros mais proeminentes da ditadura e o relator era Prisco Viana, egresso da Arena, partido criado pelos ditadores que depois virou PDS e por fim, depois de muitas peripécias políticas, se transformou em PP (Partido Progressista) e a partir de 2017, apenas, Progressistas. O que não deixa de ser uma ironia. Por fim conseguiram impor o que desejavam e, graças a isso, a tradição golpista dos militares continua rondando -como um velho espectro- a jovem democracia brasileira.

A favor de Jarbas Passarinho existe o seu profundo desprezo por Bolsonaro. Em uma entrevista, já no alto dos seus 91 anos, afirmou nunca o ter suportado, porque jamais suportou os radicais, tanto os de esquerda, quanto os de direita e citou um livro de Simone de Beauvoir, “O Pensamento da Direita Hoje” onde ela escreveu que o pensamento da direita é só um: medo e ele completou; o medo de perder os privilégios. A análise da escritora francesa continua atual no caso brasileiro, onde ela critica a negação da história por parte da direita, o que acontece nitidamente no Brasil, onde esse setor político interpreta como naturais as construções históricas que marginalizam mulheres, negros e lgbtqi+, por exemplo.

A quartelada que levou a Proclamação da República e o golpe de 1964 não encontraram resistências, tanto as tropas do marechal Deodoro, como os tanques do general Túlio Mourão não dispararam nenhum tiro contra o inimigo. Como sempre não houve participação do povo, apenas as citações de sempre sobre o caráter “popular” do movimento. É interessante observar que, tanto na primeira quartelada, como na tentativa de golpe do último domingo, a participação dos latifundiários se destaca. Nos levantamentos feitos sobre a origem dos terroristas que invadiram a Praça dos Três Poderes, todos vêm de estados e regiões desses estados, onde o agronegócio é preponderante. O financiamento do golpe pelos milionários do agro só corrobora a velha farsa histórica à brasileira, onde os peões fazem o trabalho sujo do patrão e defendem quem lhes explora secularmente.

A complexidade da situação brasileira se intrinca quando se verifica a participação de pessoas oriundas de classe sociais inferiores. Manipuladas por discursos de ódio e mentiras repetidas à exaustão, os pobres aparecem defendendo as políticas que beneficiam os ricos. Isto confunde os observadores, mas são frutos de guerra cultural incessante mantida pela Direita e que a Esquerda ignorou, por subestimar a sua potencialidade. Por trás da pauta conservadora e apelativa, existe este mecanismo psicológico -projeção- capaz de cooptar através da culpabilização do outro. O outro é a ameaça iminente e derrotá-lo é a solução para todos os problemas. Isto é a base de todos os fascismos que tiveram apoio das massas.

O general Hamilton Mourão publicou esta semana em seu Twitter, que os terroristas presos em Brasília estariam sendo maltratados, que as suas prisões seriam indiscriminadas e estariam confinados em condições precárias nas instalações da PF. Ele termina a publicação de forma mais inverossímil ainda, afirmando que novo governo está agindo de forma amadora, desumana e ilegal seguindo a sua tradição marxista-leninista. Como se percebe, o general não perde tempo para faturar em cima deste segmento e mantém a sua estratégia de cooptar os extremistas. Bolsonaro está sem mandato e Mourão é senador, o primeiro perdeu o foro privilegiado e poderá ser preso, dependendo do andamento das investigações. Os radicais de direita são capazes de digerir todo o tipo de fantasias para alimentar o pensamento mágico que os mantém fanatizado em seu delírio, no entanto, aqueles que os manipulam estão bem acordados.

Vinicius Todeschini 12-01-2023

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