Crónicas do Brasil | 11-02-2023 16:40

O bolsonarismo no divã

Vinicius Todeschini

O deputado federal eleito pelo Rio Grande do Sul, Maurício Marcon( : ) foi a Bahia e a comparou ao Haiti. Em suas redes sociais postou um vídeo onde reclama da sujeira e das pichações. A frase, ipsis litteris, é assim: “A gente teve lá na Bahia, é um Haiti assim, não tem explicação ( : ). Gil e Caetano compuseram para o álbum “Tropicália 2”, de 1993, uma música com um refrão poderoso que diz assim: “Pense no Haiti/Reze pelo Haiti/O Haiti é aqui/O Haiti não é aqui”. Quem ouvir toda a canção perceberá que a mensagem dos mestres baianos se refere, justamente, a isso, mas pela lente da verdade que o deputado em questão não consegue ver, muito menos entender.

Freud inventou a psicanálise, mas não achava que ela fosse própria para tratar psicoses e perversões, porém, com a evolução e novos conceitos sendo amalgamados ao substrato original desta ciência, muitos psicanalistas tentaram enfrentar este desafio. O fenômeno da transferência, fundamental para a relação entre paciente e analista, não acontece na psicose e na perversão, porque a inversão da libido ao próprio eu não cria um direcionamento necessário ao analista, para criar o amor de transferência. No caso das psicopatias -para Freud elas se enquadram dentro das perversões- onde o indivíduo não aprende com o que experiência e não mantém nenhuma ligação real com grupos ou pessoas, as punições servem, tão somente, de repertório para novas aquisições de práticas. Sem castração segue o perverso com o seu desmentido, sem limites e sem retraimentos.

“O bolsonarismo no divã” seria um bom mote para um roteirista de séries, tão populares hoje em dia, com a explosão dos streamings, no entanto, no mundo real a relação com os psicopatas é sempre trágica, principalmente quando adquirem poder e chegam ao topo do comando de um país. O Brasil ainda está impactado diante de um grupo que se destaca da maioria pela sua desobediência civil, pelo seu insurgimento contra o regramento social e, principalmente, contra o sistema eleitoral, base fundamental da democracia. A negação da falta e a sua substituição por um líder carismático e perverso que assume o lugar impossível de ser preenchido, pois somos seres cuja incompletude nos humaniza e não o contrário, como deseja o perverso, voltou com toda a força depois de cem anos.

Bolsonaro jamais se deitaria em um divã, a não ser para uma sesta depois de uma boa picanha folheada a ouro. Ele roncaria até acordar e voltaria para o seu mundo paralelo que não faz fronteiras com o nosso, mas está encalacrado no mesmo planeta em que vivemos. Assim como os seus pares anacrônicos e contemporâneos, o seu projeto de destruição da civilização passa por uma total ausência de culpa e sem qualquer ruminação mental que gere algum escrúpulo. O desgoverno praticado em seus quatro anos de mandato visava apenas destruir as instituições e substituí-las por um projeto autoritário de poder centralizado em suas mãos, onde os seus aliados seriam os mais ricos e sem escrúpulos, cujo único objetivo seria se tornarem ainda mais ricos. Hitler previa que o terceiro Reich duraria mil anos, mas mal durou 12 e o suicídio foi a única saída que lhe restou. Bolsonaro é um indesistível, por isso é preciso que a sociedade desista dele.

Nunca parar de provocar e de desafiar a lei, se insurgir contra os marcos civilizatórios e regredir até o ponto onde todo mal praticado possa ser justificado pela projeção inicial, demarcada pelo líder perverso. Estes que seguem cegamente tal líder jamais se deitaram em um divã, mas aqueles que apenas votaram em Bolsonaro por outros interesses? Aqueles, que com o seu voto permitiram que ele atingisse à marca de 58.206.322 votos (49,1%) e tumultua-se ainda mais o país, posteriormente, com tentativas de insurreições que culminaram com a invasão dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, onde se enquadram? O povo assistiu àquilo sem acreditar no que via, mas aconteceu de verdade, não foi um sonho, muito embora fruto de um delírio coletivo. O Brasil nunca mais será o mesmo depois desta experiência traumática e traumas, todos deveriam saber, não é algo que seja superado rapidamente ou completamente, é uma fratura que, mesmo depois de cristalizada, deixa uma fissura permanente.

O deputado federal eleito pelo Rio Grande do Sul, Maurício Marcon, do “Podemos”, partido político que não gosta de se declarar de direita, mas está recheado de representantes dela, que se declara conservador e antipetista, foi a Bahia e a comparou ao Haiti. Em suas redes sociais postou um vídeo onde reclama da sujeira e das pichações. A frase, ipsis litteris, é assim: “A gente teve lá na Bahia, é um Haiti assim, não tem explicação. É uma área turística. A gente fica imaginando onde não é”. Gil e Caetano compuseram para o álbum “Tropicália 2”, de 1993, uma música com um refrão poderoso que diz assim: “Pense no Haiti/Reze pelo Haiti/O Haiti é aqui/O Haiti não é aqui”. Quem ouvir toda a canção perceberá que a mensagem dos mestres baianos se refere, justamente, a isso, mas pela lente da verdade que o deputado em questão não consegue ver, muito menos entender. “E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo/Diante da chacina/111 presos indefesos/os presos são quase todos pretos/Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”. Este trecho bate no ponto terminal da tragédia brasileira, aprofundada nos últimos quatro anos pelo governo de Bolsonaro. O líder perverso à frente de um exército de golpistas e apoiado por quase metade da população, que quando vai ao Brasil fica atônita.

Vinicius Todeschini 10-02-2023

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1663
    01-05-2024
    Capa Vale Tejo
    Edição nº 1663
    01-05-2024
    Capa Lezíria/Médio Tejo