Lula versus Campos Neto
Lula não é totalmente antiliberal, mas uma das suas metas é reindustrializar o país através de políticas desenvolvimentistas na Economia, porém, ter um inimigo poderoso dessas políticas com o poder que tem um presidente de um Banco Central independente, é algo muito sério e, definitivamente, perigoso.
‘A luta continua companheiro’! Esta velha frase, originária da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), é usada pela esquerda brasileira há muito tempo e nunca foi mais verdadeira do que agora, quando o presidente legitimamente eleito pela maioria do povo brasileiro se vê à mercê de um bolsonarista, encalacrado em um núcleo do seu governo. Campos Neto, presidente do Banco Central, é um bolsonarista notório que, inclusive, tinha previsto a vitória do seu mentor, o fascista Bolsonaro. Indicado pelo ex-ministro da Fazenda do governo anterior, Paulo Guedes (um economista neoliberal radical que colaborou com uma das ditaduras mais cruéis e sanguinárias da história, a de Augusto Pinochet no Chile), ele segue passo a passo a cartilha do seu mestre. Paulo Guedes foi um Chicago Boy, atualmente Chicago Sênior, e junto com os seus pares usou o Chile durante este período como laboratório para experimentar os conceitos de Economia do Dr. Milton Fridman, professor da Universidade de Chicago. O resultado levou à miséria e o abandono da maior parte do povo chileno, privilegiando o dito “mercado” e aumentando como nunca o número de suicídios entre pessoas da terceira idade, abandonadas pelo sistema previdenciário.
Lula critica os altos juros impostos pelo Banco Central e Roberto Campos Neto, naturalmente, acho isso o ideal. É preciso perceber que tornar independente o Banco Central, ato feito durante o desgoverno bolsonarista, foi uma estratégia maquiavélica para entregar a regulação da economia nas mãos dos banqueiros e empresários que investem no mercado de capitais, o chamado “mercado”. Além disso, serviria como prevenção ante a possibilidade de uma derrota eleitoral, mesmo que não acreditassem nela, em função do uso desregrado da máquina pública a seu favor na busca da reeleição. Portanto, Campos Neto, apesar de toda a hipocrisia, para amenizar sua posição neste jogo de xadrez político, não engana ninguém que conheça um pouco desse jogo.
Lula não é totalmente antiliberal, mas uma das suas metas é reindustrializar o país através de políticas desenvolvimentistas na Economia, porém, ter um inimigo poderoso dessas políticas com o poder que tem um presidente de um Banco Central independente, é algo muito sério e, definitivamente, perigoso. A lei de 2021 que aprovou a independência do Banco Central retirou, pela primeira vez na história, o poder do presidente da República de destituí-lo, caso deseje. Pela nova lei se faz necessário obter uma maioria de senadores votando a favor da demissão. Campos Neto deseja cumprir o seu mandato até 2024, o que coloca em risco os projetos do governo para reverter o mais rápido possível os prejuízos causados à maioria da população brasileira pelo desgoverno Bolsonaro.
A fome aumentou absurdamente e cerca de 110 milhões de pessoas não conseguem comer o necessário para viver e mais de 33 milhões passam fome e vivem de restos. O garimpo ilegal em terras indígenas aumentou mais de 787 %, desde 2016, o ano do golpe sofrido pela presidenta Dilma. Estas tragédias sequer arranham o coração de um neoliberal, convicto que o “mercado” a tudo vai regular e com o tempo tudo irá se ajeitar, mas para pior é claro, no caso dos menos favorecidos. Hipocrisia não tem limites para os poderosos, quando se trata de tentar manter tudo como está e a radicalização liberal sempre se destaca por tentar parecer democrática, quando na verdade é apenas um sistema que não tolera discussão sobre os seus métodos, por isso o Chile de Pinochet foi a sua Meca. O sangue drenado do povo chileno, em todos aqueles anos de regime autoritário, resultou em uma grande revolta popular que se arrastou por meses e só parou com Pandemia, agora os chilenos estão às voltas com o projeto da sua nova Constituição, para, enfim, enterrar de vez a herança maldita da ditadura e do neoliberalismo em seu país.
O presidente Lula está com 77 anos e nesta altura da sua vida não tem muito a perder, por isso o “Lulinha Paz e Amor” dos outros governos não deverá se repetir como persona. Não poderá mais aceitar a hipocrisia dos poderosos, nem aceitar as duplas mensagens de seus representantes na Grande Mídia. Parte delas se voltaram contra Bolsonaro por conta das suas vilanias sucessivas, mas as redes mantidas pela Igreja Universal (Record) e SBT (Silvio Santos) continuaram o apoiando. A Globo foi declarada inimiga dos bolsonaristas e não teve outra escolha. A Bandeirantes tangenciou. O discurso dos representantes das elites financeiras do país, que são radicalmente contra a taxação das grandes fortunas e a favor do neoliberalismo, não mudou. Quando se trata deste tema jamais relutam em distorcer os fatos e criar explicações para negar o óbvio, porque são ‘a voz do dono e não os donos da sua própria voz’. Imaginem uma independência como a do Banco Central em meio a Grande Mídia? Lula precisará de toda a sua habilidade política para fazer valer os seus próximos anos à frente do país, senão pouca coisa mudará ou pior: mudará para continuar da mesma maneira, como escreveu o escritor italiano, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu livro “Il Gattopardo"; “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
Vinicius Todeschini 17-02-2023