A Nova Eugenia
A nova eugenia poderá superar a velha eugenia no que tange a criação de um racismo ainda mais insuperável que o atual. Os trágicos fatos passados no século XX, onde milhões de inocentes tiveram suas vidas extirpadas, em função de uma ideia de melhoria da espécie humana, não podem ser esquecidos ou atenuados, porque estamos diante de novas possibilidades técnicas para que essa ideia ressurja com mais força ainda. As leis atuais não garantem segurança no uso das novas tecnologias, que nas mãos erradas podem estabelecer metas em busca de padrões incompatíveis com própria natureza humana.
Com o avanço do conhecimento científico sobre o código genético uma velha ideia renasceu, a eugenia. Muito popular no início do século XX a engenharia eugênica queria modificar, através da ciência, os seres humanos. O nazismo se utilizou fartamente dessa ideia, que sempre se mostrou perigosa e incontrolável. O que seria um humano melhor? Um ser mais forte, menos propenso a desenvolver os males mais temidos pela humanidade? Ou, tão somente, um ser que atenda os ideais de determinada ideologia? A edição genética, por exemplo, modifica removendo um fragmento de DNA e o substituindo por outro ou removendo este fragmento para que o próprio organismo o repare. Cientistas com amplo conhecimento científico e sem nenhum escrúpulo, mas com capacidade para criar seres modificados geneticamente, podem estar clonando neste momento, como Richard Seed, físico de Chicago, que anunciou a intenção de clonar humanos. O conhecimento científico não está, necessariamente, limitado por nenhuma ordem moral e ética. Médicos e monstros coexistem na mesma pessoa, muitas vezes.
Francis Galton, cientista inglês, criou a palavra e o conceito em 1883 e se tornou um dos emblemas do nazismo em sua tentativa de impor o arianismo ao mundo. Tentar justificar as desigualdades sociais e culturais com argumentos pseudocientíficos foi uma estratégia largamente usada pelos nazistas, mas eles não foram os únicos. Várias democracias ocidentais, antes de 1933, adotaram medidas eugenistas, incluídas, entre essas, a esterilização em massa feita em alguns estados norte-americanos depois de 1907. A verdade é que, no início do século XX, a ciência biológica estava impregnada de ideias eugenistas. Aldous Huxley era irmão do biólogo eugenista Julius Huxley e em seu livro, “Admirável Mundo Novo”, demonstrou como as ideias eugenistas era alardeadas como indissociáveis à ciência e ao progresso. O que se observou com a passagem do tempo é que se tratava de um controle social reprodutivo a serviço de um padrão criado ideologicamente. O filósofo Nietzsche, em sua luta incessante contra o cristianismo, destacou a oposição entre a ciência biológica e a caridade cristã, que contraria as leis naturais, segundo ele. “O que é mais nocivo que qualquer vício? -A ativa compaixão por todos os malogrados e fracos- o cristianismo”.
Os meios à disposição dos cientistas daquela época não podem ser comparados com os da atualidade, os avanços científicos e tecnológicos são inegáveis, mas a humanidade ainda comete os mesmos crimes, portanto, conjeturar que existam grupos apoiando políticas e financiando cientistas em busca do super-humano não é nenhum absurdo, muito pelo contrário. Com o avanço dos conhecimentos sobre o código genético a manipulação de genes e cromossomos parece não ter mais nenhum limite, mas qual o custo-benefício disso ao ser humano? O progresso pelo progresso parece, muitas vezes, ameaçar à própria condição humana quando se coloca o avanço técnico acima da própria existência do homem. O questionamento sobre o conceito ‘progresso’, tão caro à humanidade, está em aberto.
A eugenia e o racismo se entrecruzam na própria criação do conceito por Galton e a sua dedicação “a melhoria da humanidade”, através de casamentos seletivos, corroborou a sua convicção de que era a natureza e não o ambiente que determinava a condição e o potencial de cada indivíduo. O conceito de eugenia positiva e eugenia negativa criou possibilidades amplas para que, agora, as ideologias usem de discursos pseudocientíficos para justificar a modificação de genes que seriam os responsáveis por todas as patologias e comportamentos considerados anormais por essas mesmas ideologias. Um exemplo disto foram as leis que, a partir de 1924, impuseram a esterilização compulsória em 27 estados norte-americanos para impedir a descendência a determinados grupos e, mesmo com a violação da Constituição, a Suprema Corte americana apoiou a medida. O racismo oficializado pela Suprema Corte dos EUA, naquela época, não deixa dúvidas sobre a profundidade dos preconceitos raciais da nação mais poderosa do planeta. Segundo Edwin Black a inspiração de Hitler para desenvolver o conceito da superioridade ariana nasceu nos EUA e foi cultivada na Califórnia décadas antes do Führer chegar ao poder.
A nova eugenia poderá superar a velha eugenia no que tange a criação de um racismo ainda mais insuperável que o atual. Os trágicos fatos passados no século XX, onde milhões de inocentes tiveram suas vidas extirpadas, em função de uma ideia de melhoria da espécie humana, não podem ser esquecidos ou atenuados, porque estamos diante de novas possibilidades técnicas para que essa ideia ressurja com mais força ainda. As leis atuais não garantem segurança no uso das novas tecnologias, que nas mãos erradas podem estabelecer metas em busca de padrões incompatíveis com própria natureza humana. No Brasil não é diferente, com o aumento da miséria nos últimos seis anos, em função do abandono de políticas de combate a pobreza pelos governos neoliberais, a tentação das elites de usarem essas técnicas aumenta exponencialmente, principalmente, pelas ambiguidades das legislações pertinentes a este processo.
Vinicius Todeschini 12-06-2023