Crónicas do Brasil | 25-06-2023 22:30

Povo Brasileiro

Vinicius Todeschini

Uma professora brasileira que dá aulas em Portugal publicou um vídeo que já acumulou mais de 3,7 milhões de visualizações e mais de 580 mil curtidas ( : ) O empobrecimento do povo brasileiro é um fato, mas não é novo, ele é consequência de desgovernos que se sucedem, com raros intervalos de boa governança. O país nunca superou completamente o regime de escravidão e as sequelas de um longo processo de colonialismo estão incrustradas nas elites brasileiras, como tatuagens de uma formação distorcida e cruel.

Uma professora brasileira que dá aulas em Portugal publicou um vídeo que já acumulou mais de 3,7 milhões de visualizações e mais de 580 mil curtidas, ela se chama Fernanda e os seus alunos estão na faixa de 6 anos e nesta idade, é claro, são altamente influenciáveis pelo meio em que vivem. O vídeo publicado no aplicativo Tik Tok viralizou pela sinceridade, típica, das crianças, mas, principalmente, pelas respostas dos seus alunos. Antigamente era comum as pessoas de outros países se referirem ao Brasil e citarem Pelé, o futebol, as praias e o calor, fruto do clima tropical que predomina em boa parte do país, agora, além dessas respostas comuns, só que com Neymar no lugar de Pelé, boa parte dessas crianças portuguesas se referiram aos brasileiros como pobres e ladrões. Crianças são exímios em reproduzir o seu ambiente, portanto, o que elas disseram é o que ouvem no seu dia a dia.

O empobrecimento do povo brasileiro é um fato, mas não é novo, ele é consequência de desgovernos que se sucedem, com raros intervalos de boa governança. O país nunca superou completamente o regime de escravidão e as sequelas de um longo processo de colonialismo estão incrustradas nas elites brasileiras, como tatuagens de uma formação distorcida e cruel. O Brasil figura no mundo como um dos países mais inseguros do mundo para visitantes e, apesar de belezas e atrações incríveis e diversas em seu território, o número de visitantes em todo país é menor que a cidade de Paris. A quantidade de moradores de rua só aumenta e a convivência com a miséria parece ter sido naturalizado pela maioria. As pequenas contribuições que mitigam a fome dessas pessoas partem de poucos, aqueles que ainda não perderam completamente a compaixão pelos arrimos de família e de pátria. Boa parte da população, no entanto, acha que essas pessoas deveriam desaparecer, como se elas não fossem o resultado do tipo de sociedade que, através do tempo, foi criada e mantida pelos que comandam o país.

As sociedades foram criadas e mantidas em regime de castas, claro que nem todas chamam isso assim, muitos tratam de chamá-las de classes para atenuar o fato, no entanto, isso não muda a dura realidade de um mundo recortado por diferenças sociais evidentes. O Brasil, portanto, não é uma exceção, mas aqui existem peculiaridades que torna a nossa realidade ainda pior que a maioria dos países. Com o ressurgimento de uma extrema-direita ainda mais agressiva o guarda-chuva deste segmento da sociedade aumentou de tamanho e muitos, desiludidos com a democracia e a lentidão dos seus processos, aderiram aos métodos fascistas desse grupo, liderado pelo clã bolsonarista.

A ideia de meritocracia passou a justificar a miséria de um terço da população e o empreendedorismo o único método capaz de solucionar os problemas sociais. Um motoboy, por exemplo, que trabalha com tele-entregas dirigindo 12 horas por dia, correndo alto riscos ao desobedecer às regras mais elementares do trânsito pesado das grades cidades e sem nenhuma garantia trabalhista, se enquadraria como empreendedor, segundo essa visão. Os seus ganhos, quase sempre, mal dão para se manter e não passar fome e o estado dos veículos que pilotam demonstram não existir uma manutenção adequada, resultante da falta de dinheiro e de tempo para parar e resolver o problema. É uma corrida contra o tempo, quase suicida, mas na loucura da luta pela sobrevivência os jovens da periferia se arriscam nesse trabalho, onde os acidentes fatais são diários e a recompensa é somente a sobrevivência.

A Reforma Trabalhista, patrocinada pelo governo Temer, acenava o crescimento dos empregos no país, mas a retirada de mais direitos dos trabalhadores não gerou empregos, apenas mais precariedade a todos que trabalham. A vida do brasileiro comum é uma luta permanente na busca de conquistar alguma coisa para logo em seguida perder e passar a lutar, tão somente, para reconquistar o que lhe foi retirado, abruptamente, pelas velhas elites que se mantém no poder desde as Capitanias Hereditárias. O fato dessas crianças portuguesas acharem que os brasileiros são pobres não é de todo mentira, materialmente falando, porque um terço da população vive entre a miséria absoluta e ganhar para mais um dia e outro terço sobrevive a duras penas, no entanto, existe dez por cento da população que aumenta suas riquezas dia a dia. Aqui, nunca foi regulamentando o imposto sobre as grandes fortunas e os impostos são regressivos, ou seja: a classe média e os pobres pagam a mesma coisa que os mais ricos.

Na época da ditadura havia uma propaganda do regime para justificar os exílios que dizia; “Brasil ame-o ou deixe-o" e Gil até fez uma música ironizando isso; “O seu amor/Ame-o ou deixe-o/ Livre par amar”. Na verdade, existe uma onda radical de xenofobia no mundo e a maioria das populações de outros países não querem estrangeiros em seus países, principalmente os pobres. O brasileiro que foi agredido recentemente em Portugal é mais um dos casos que se sucedem pelo mundo. Guinga, o grande compositor brasileiro, foi agredido em um aeroporto na Espanha por reclamar do roubo da sua jaqueta. A baixa tolerância da humanidade com o Outro confirma aquela sartreana verdade; “O inferno são os outros”.

Vinicius Todeschini 24-06-2023

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