Crónicas do Brasil | 08-07-2023 11:57

O Sucessor

Vinicius Todeschini

Não há nada de novo sob o sol, o povo alemão e o povo russo são povos com uma contribuição formidável para a humanidade, no entanto, dois dos maiores assassinos da história governaram esses países, e, ademais, agora, existe Putin. Nenhum povo está livre de produzir seres com esta capacidade absurda de causar malefícios e desgraças.

A reunião de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, com o com o rei deposto, Bolsonaro, foi tensa e não poderia ter acontecido de outra forma. O atual governador do estado mais rico do país é uma estrela em ascensão, enquanto o ex-presidente está inelegível e desgastado pelos seus incontáveis erros, antes, durante e depois da sua conturbada passagem pela presidência do país. As marcas são indeléveis e, mesmo tendo corrompido, de todas as formas possíveis, as prerrogativas do cargo, não conseguiu se reeleger e agora terá que enfrentar um calvário de inúmeros processos e conviver com um futuro político incerto e cada vez mais solitário. Bolsonaro, na verdade, sempre foi um cavaleiro solitário e fez o seu caminho criando narrativas nas inúmeras Feiras Agrícolas, onde se concentra o setor mais reacionário do país e um dos mais lucrativos, o agronegócio. O seu discurso foi se ajustando como uma luva a esse segmento e, muito embora não fosse o suficiente para levá-lo à presidência, as várias combinações históricas daquele período contribuíram de forma decisiva e ele foi eleito, em 2018, presidente do Brasil.

O controle do país nas mãos do conservadorismo nos legou uma Reforma da Previdência profundamente injusta, onde apenas os militares obtiveram vantagens, mas para os mais pobres ela tornou a tão sonhada aposentadoria com condições dignas, impossível. Os neoliberais, com aquele velho discurso de que é necessário primeiro fazer o bolo para depois reparti-lo, impuseram políticas ainda mais cruéis e a Reforma Trabalhista patrocinada pelo golpista infiltrado no governo deposto, Michel Temer, mostrou como tirar direitos sem dar nada em troca. Os empregos que iriam surgir, magicamente, dessa Reforma jamais apareceram, mas a perda de direitos e a dificuldade no acesso aos direitos básicos, como saúde e educação, se multiplicaram ainda mais. A ALTM (Comissão da Assembleia Legislativa do Mato Grosso), por exemplo, um estado onde o agronegócio comanda a economia, publicou em 2019 que a fila de espera por um especialista era de 1 ano e 4 meses. As sequelas causadas por essa demora são óbvias e os óbitos são recorrentes. Tudo que é melhorado pelos governos com compromisso popular no Brasil é rapidamente desconstruído pelos que defendem o neoliberalismo e o “mercado”.

Bolsonaro aposta tudo na destruição e atacará qualquer um que seja empecilho à manutenção da sua imagem como representante do conservadorismo brasileiro, mas o seu poder de destruição já não tem as bençãos de Shiva. Suas limitações legais e a corriqueira infidelidade do setor político, pragmático e sem compromisso com ideias e programas, não criam esperanças. Claro que a base mais recalcitrante da extrema-direita continuará ao seu lado, até porque é difícil alguém mais apropriado para representar esse setor do que Jair Messias Bolsonaro, em toda a sua magnitude e boçalidade. Não entender a complexidade da vida e as novas dinâmicas das relações sociais, além de negar fatos constatáveis é uma das características que agradam muito a esse setor da população e, certamente, enquanto houver alguém que faça este papel, da mesma forma que Bolsonaro o faz, existirão apoiadores. Não há nada de novo sob o sol, o povo alemão e o povo russo são povos com uma contribuição formidável para a humanidade, no entanto, dois dos maiores assassinos da história governaram esses países, e, ademais, agora, existe Putin. Nenhum povo está livre de produzir seres com esta capacidade absurda de causar malefícios e desgraças.

O governador Tarcísio de Freitas acha arriscado para a Direita ficar fora da Reforma Tributária e, é claro, Bolsonaro não quer que ela passe, porque isso é ruim para ele e é bom para o país. Nenhum governo, nesses últimos trinta anos em que se fala obsessivamente sobre este tema, conseguiu levar isso adiante e esse projeto aprovado será uma grande vitória do governo atual e terá impacto extensivo nas próximas eleições. O governador de São Paulo está antevendo esse cenário, onde, possivelmente, será um dos candidatos mais fortes à presidência, podendo, inclusive, reeditar a dobradinha do segundo turno do estado de São Paulo com Fernando Haddad, o principal fiador da Reforma. Tarcísio tem tudo para se tornar o sucessor de Bolsonaro e ocupar, com vantagens para a Direita, este espaço. Com bom senso e visão suficientes para granjear apoio de um espectro político bem mais amplo do que o seu mentor, afora ser governador do estado mais rico do país e onde se concentra um amplo setor conservador e adepto do liberalismo econômico, Tarcísio pode esperar, enquanto governa, Bolsonaro se afundar ainda mais no lodo que ele mesmo criou, para aparecer em 2026 como o melhor candidato para unificar o Centro e a Direita.

Com a aprovação da Reforma Tributária na Câmara agora ela vai para o Senado, onde o governo tem mais apoio que na Câmara dos Deputados, portanto, Haddad e Tarcísio figuram, emblematicamente, como corresponsáveis pela aprovação desse projeto. Fernando Haddad, ministro da Economia figura como o herdeiro natural do lulismo, pelos menos é o que Lula deseja, e aparece como o principal responsável pela Reforma Tributária, mesmo sofrendo resistências dentro do seu próprio partido, o PT. É importante ressaltar que Lula consegue se mostrar um bom estrategista nesse novo momento da sua história e depois de vários tropeços na política internacional, ressurge mais brilhante a principal estrela da Esquerda.

Vinicius Todeschini 07-07-2023

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