Crónicas do Brasil | 14-07-2023 10:00

O Falso Conservadorismo

Vinicius Todeschini

Não se pode afirmar que o Brasil é um país conservador, como os analistas de plantão gostam de dizer, na verdade os brasileiros em sua maioria não acreditam em partidos políticos, muito menos na Esquerda ou na Direita, porque sabem ou intuem que, a Direita desumaniza e a Esquerda impessoaliza.

A antipatia litigante que não para de crescer entre os que se dizem Esquerda e Direita no Brasil, principalmente com a ascensão da extrema-direita, traz a luz o que permaneceu oculto durante muito tempo; semelhanças e diferenças entre essas duas formas de fazer política. O escopo, obviamente, é chegar e permanecer no poder o maior tempo possível, mas para isso existem projetos diferentes para obter o apoio popular e os seus votos para vencer os pleitos. A extrema-direita, considerada atrasada e retrógrada pela EPB (Esquerda Preponderante Brasileira), dominou as redes sociais e, apesar da reação da Esquerda, ainda domina a situação com suas narrativas a partir de distorções de algum fato ou mesmo de uma invenção completa sobre algo ou alguém. Assim foi com as vacinas e muitas pessoas com formação embarcaram no negacionismo explícito, muito embora não tenham sofrido uma série de doenças quando crianças, como a poliomielite (paralisia infantil), por exemplo, graças às vacinas.

Os grupos de esquerda pagaram um preço muito alto pelo seu atraso nessa área das redes sociais e há pouco acordaram para o fato que estão em desigualdade, mas, ao mesmo tempo, sabem que, não podem competir da mesma forma, pois seria se rebaixar ao nível do inimigo, porém, é preciso achar alguma forma de combater essa arma mortal. Por outro lado, Lula, a principal liderança das esquerdas e estrela máxima da EPB, está conseguindo o feito de -após uma série de deslizes em declarações sobre política internacional, especialmente sobre a guerra -Rússia-Ucrânia- aprovar uma reforma tributária, projeto debatido e nunca efetivado há mais e três décadas. Caso seja aprovada completamente, pois agora, depois da aprovação na Câmara, está no Senado para deliberações e posterior votação, será um grande feito político e, o mais importante, articulado à moda antiga, ou seja: na base da conversa e de acordos feitos do velho jeito “no toma lá dá cá”, como diz aquele, também, velho samba de João Bosco e Aldir Blanc.

Em uma pesquisa do IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) 19% dos leitores que voltaram em Bolsonaro aprovam o início do governo Lula. Apelidados pitorescamente de “lunaristas”, esses eleitores, naturalmente, não fazem parte do núcleo duro do bolsonarismo. Cerca de 28%, pela mesma pesquisa, desaprovam o governo, ou seja, confirmando o que já pontuei várias vezes; 28% é o número aproximado dos que se assumem de direita e desse grupo, apenas 12%, pode ser de considerado de extrema-direita. Por isso não se pode afirmar que o Brasil é um país conservador, como os analistas de plantão gostam de dizer, na verdade os brasileiros em sua maioria não acreditam em partidos políticos, muito menos na Esquerda ou na Direita, porque sabem ou intuem que, a Direita desumaniza e a Esquerda impessoaliza. No governo de Tarcísio de Freitas, em São Paulo, por exemplo, as mortes praticadas pela PM (Polícia Militar) cresceram em 15% depois de dois anos em queda. A Esquerda no poder consegue diminuir esses índices, mas não consegue ganhar ideologicamente os policiais, porque leva mais em consideração as suas definições acadêmicas para esta área do que o conhecimento de quem trabalha nela.

O processo de desumanização da Direita corrói lentamente as condições de vida dos trabalhadores, até chegar em tal nível de deterioração que a revolta se torna inevitável. Aí é necessário um líder carismático e mitômano para garantir aos poderosos e aos seus aliados o amplo e contínuo domínio das massas e do país. No Brasil não foi diferente, se pensarmos que os 16 anos somados dos governos de composição com o Centro e a Direita, liderados pelo PT, mesmo com a manutenção e o aperfeiçoamento de mecanismos de proteção social, as conceções ao grande capital especulativo foram amplas e os bancos enriqueceram como nunca. Bolsonaro não surgiu do nada, a decadência da classe trabalhadora, com perda de direitos e arrochos salariais, é um fato, por isso o populista de Direita apela para a histeria da multidão sem senso crítico, a besta sem cabeça, onde o indivíduo desfaz a sua angústia na alma coletiva projetando em outro grupo todas as suas mazelas, sejam eles judeus ou comunistas, não importa, assim se aliena do óbvio a sua frente: não existe democracia pronta e nem justiça social, é preciso conquistá-la

Antonio Gramsci, filósofo italiano, em sua crítica aos marxistas tradicionais desloca para as superestruturas o embate e a práxis o modo de superar as ideologias, l’intellettuale organico, mas acreditava, também, que deveria haver uma literatura popular que refletisse isso. No Brasil, quiçá no mundo, isso é um grande problema, porque se lê cada vez menos e a imposição dos saberes acadêmicos desqualificou a sabedoria popular e desvalorizou a experiência prática, tornando-a subalterna aos conceitos acadêmicos, com a supervalorização de mestrados e doutorados. O resultado é o que se vê, muita gente sem experiência exercendo cargos muito importantes sem o traquejo necessário. As políticas da Esquerda alienam e criam impessoalidade ao padronizar e impor formas projetadas pelos catedráticos em suas pesquisas, não valorizando o pensamento original, mas a continuidade das obras já existentes. Gramsci teria que reencarnar e inventar novas maneiras para lidar com essa situação, mas ante o impossível teremos que nos virar com o que temos, “intelectuais veganos”, e suas “originais reproduções” em defesa dos seus nichos criados e mantidos dentro das universidades.

Vinicius Todeschini 12-07-2023

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