Crónicas do Brasil | 24-08-2023 18:00

Prender ou não prender, eis a questão

Vinicius Todeschini

A quantidade de crimes que está vindo à tona é gigantesca, Bolsonaro e o seu staff estavam montando uma grande organização criminosa que visava, fundamentalmente, enriquecer e permanecer no poder. Para isso precisavam das Forças Armadas como aliadas e usaram, por ironia, do mesmo plano que Nicolás Maduro usou na Venezuela, o enriquecimento dos militares.

Bolsonaro tem sangue de mau ator, mas não perdeu a tramontana e mesmo acuado concedeu uma rápida entrevista informal ao jornal “Estadão”, de São Paulo, enquanto mordiscava um pão com manteiga e bebia um pingado em um copo de vidro. Tentando demonstrar tranquilidade, porém, sem se descuidar da sua imagem de homem despojado e mal-educado, respondeu aos repórteres enquanto cuspia farelos dos alimentos, entre uma pergunta e outra. Nada lhe resta a não ser continuar firme em sua atuação de “salvador da pátria”, porque é o seu papel nessa grande farsa montada pelas elites econômicas brasileiras para manter o povo no lugar que acreditam que deve estar e permanecer. Os extremistas, no entanto, continuam atuantes, por isso não se deve cantar vitória antes do tempo, mas o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, também, e as investigações da Polícia Federal continuam desmembrando um a um os membros desse zumbi putrefato chamado golpismo.

Nunca se deve subestimar inimigos tão poderosos e dispostos a usar de todas as armas para manter o seu poder e atacar quem quer esteja contra os seus reais interesses. Uma das suas estratégias mais comuns é tentar desacreditar todos os grandes defensores da autonomia popular e de uma sociedade mais justa. Paulo Freire, o grande educador brasileiro, é sempre um dos mais atacados e tudo que o grande pedagogo, de reconhecimento internacional, publicou é distorcido e direcionado a um grande público, ainda sem senso crítico, como escritos comunistas. Chega a ser patético assistir, mas é preciso ver para crer para entender o que está em jogo. Confundir a opinião pública usando o expediente de misturar liberdade de expressão com a possibilidade de se inventar qualquer coisa sobre qualquer pessoa sem nenhuma evidência ou prova, o que configura calúnia, é recorrente, mas os extremistas acham que podem e devem dizer o que quiserem sem nenhum limite de responsabilidade sobre o dito.

A quantidade de crimes que está vindo à tona é gigantesca, Bolsonaro e o seu staff estavam montando uma grande organização criminosa que visava, fundamentalmente, enriquecer e permanecer no poder. Para isso precisavam das Forças Armadas como aliadas e usaram, por ironia, do mesmo plano que Nicolás Maduro usou na Venezuela, o enriquecimento dos militares. A atração pelos bens materiais há muito superou o conteúdo ideológico e os altos salários e gratificações são fundamentais para atrair os aliados necessários. Bolsonaro assinou uma portaria, enquanto esteve na presidência, que permitia o acúmulo de salários e aposentadorias acima do teto designado pela Constituição. O primeiro colocado neste concurso perverso foi o ministro da Secretária-Geral, general Luis Eduardo Ramos, com R$ 874,00 mil nos 12 meses da publicação da portaria e o segundo colocado o general Augusto Heleno, com R$ 866,00 mil. O primeiro com R$ 350,7 mil e o segundo com R$ 342,00 mil acima do teto constitucional.

A humanidade parece estar em uma crise de valores sem fim e por isso ‘ter’ vale muito mais que ‘ser’ qualquer coisa de real valor. A falta de senso estético reflete a ética atual e basta não fazer ‘ouvidos de mercador’ para saber do que se trata. O Brasil não é uma exceção no mundo, a humanidade está mergulhada em corrupção em todos os setores, simplesmente porque o valor do cidadão é medido pela sua capacidade de consumir e não parece haver limites, a curto prazo, para se alterar essa trajetória destrutiva e desagregadora. Na América Latina, como no resto do mundo, a lucidez só pode se contentar em tentar mitigar o impacto de um mundo delirante, litigante e consumista.

Os que promovem a grande farsa bolsonarista usariam a prisão de Bolsonaro, seja ela preventiva ou temporária, como um show, mas também é evidente que Bolsonaro livre é uma ameaça permanente à democracia, pela possibilidade de continuar promovendo o caos ou, até mesmo, de uma fuga para países onde governos de extrema-direita estão no poder. Dali poderia montar uma base para continuar atacando a jovem democracia brasileira e continuar comandado políticos e milicianos. Não podemos esquecer que existem estados do país que estão nas mãos dos seus aliados e estados muito importantes como o Rio de Janeiro, sua base eleitoral domiciliar, que há muito tempo está nas mãos da milícia.

Gerações que viveram expectativas utópicas para o século XXI devem se perguntar: o que foi que deu errado? Como chegamos a isso? O mundo caminhou dos anos oitenta do século passado para cá em uma velocidade muito maior que a nossa capacidade de síntese e a população praticamente dobrou em pouco mais de quarenta anos. Segurar esta onda não é mais uma tarefa simples, ‘a aldeia global’ fragmentou-se em condomínios separados pelo l’argent e as segmentações estão cada vez mais distantes entre si. “Os deuses da destruição”, parecem gostar de enviar ciclicamente emissários para destruir o que está posto só para criar um Novo Eon, independente do sofrimento que isso irá causar. Líderes medíocres e ávidos por sangue conseguem identificação imediata com parte da humanidade que sempre temeu a iluminação e o transcender a si mesma, os retrocessos confirmam estes limites a ferro e fogo. A tarefa de reconstrução, após cada novo tsunami global parece ser uma sina da humanidade, enquanto ela existir.

Vinicius Todeschini 24-08-2023

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