Crónicas do Brasil | 09-09-2023 07:00

Assassinos Paramentados

Vinicius Todeschini

Os embates entre a política e pessoas da comunidade são constantes e a cada enfrentamento surgem fatos e números confirmando se tratar de verdadeiras chacinas, como a que aconteceu recentemente em Guarujá, no litoral paulista. Pesquisas da Unicamp confirmam que a legitimação da violência policial no Brasil se da pela aceitação das narrativas oficiais apresentadas pelas autoridades da área e não pelos fatos, que desmentem essas narrativas.

Muitas perguntas surgem quando observamos tanta violência policial, contínua e brutal, sobre os moradores de bairros populares e comunidades. Essa população, constituída em sua maioria de trabalhadores, convive compulsoriamente com o tráfico de drogas e de armas, sistematizado há muito tempo pelas facções que dominam essas regiões. As facções são um fenômeno social que se espargiram ao longo de anos, mercê das desigualdades sociais absurdas e permanentes e de uma relação perversa com milicianos e servidores públicos corruptos. Não é à toa que as grandes organizações criminosas se espalharam rapidamente pelo país e se internacionalizaram, exportando a sua expertise pelas Américas. O recrutamento de jovens dessas comunidades é muito fácil e direto, porque desde muito cedo aprendem a odiar a sociedade -pela situação social estratificada há gerações- e a polícia -pelo tratamento dispensado. O padrão da violência imposto pelas forças de repressão, sempre prontas para atirar sem discutir e da corrupção dos políticos, não aponta muitas escolhas para os jovens das periferias do Brasil.

Os embates entre a política e pessoas da comunidade são constantes e a cada enfrentamento surgem fatos e números confirmando se tratar de verdadeiras chacinas, como a que aconteceu recentemente em Guarujá, no litoral paulista. Pesquisas da Unicamp, uma das maiores universidades do país, confirmam que a legitimação da violência policial no Brasil se da pela aceitação das narrativas oficiais apresentadas pelas autoridades da área e não pelos fatos, que desmentem essas narrativas. Na Chacina da Baixada Santista foram 600 policiais militares invadindo uma favela do Guarujá para vingar a morte de um soldado morto em confronto com bandidos. O saldo final da chamada ‘Operação Escudo’ é 28 mortos e 958 prisões efetivadas. Stalin dizia que a morte de um homem é uma tragédia e a morte de muitos homens é um dado estatístico, por isso, para os senhores que dirigem as grandes estruturas de segurança pública, a vida humana parece ser mais um número e não o que realmente é.

O governador de São Paulo é, assim como Bolsonaro, um ex-capitão do exército e elogiou muito a ação policial nessa operação, que chamou de irretocável. O bolsonarismo reproduz o discurso das classes dominantes que jamais assumiu qualquer responsabilidade pela tragédia social brasileira, por isso matar sempre foi uma opção, mesmo que nunca admitida oficialmente. Nos anos 60 e 70 o famoso ‘Esquadrão da Morte’ marcou época e os “12 homens de ouro” eram saudados pela sociedade como heróis, quando na verdade eram assassinos que, além de matar, extorquiam dinheiro. Mariel Mariscot foi o mais famoso, uma espécie de pop star da polícia, “O Ringo de Copacabana” (em alusão ao pistoleiro interpretado no cinema por Giuliano Gema). Ele, paralelamente aos assassinatos e as extorsões, namorou mulheres famosas e deu muitas entrevistas, mas queria mesmo é ser bicheiro e foi assassinado pouco antes de entrar para uma reunião com um “futuro colega”, no centro do Rio de Janeiro.

Os governadores bolsonaristas querem a retornança da ‘necropolítica’ que já existiu no país, principalmente no estado do Rio de Janeiro e de São Paulo. Uma polícia matadora, que atira antes e pergunta depois, está fadada a cometer injustiças e mais injustiças, condenando inocentes à morte, porque não prenderam o pecador. A sua forma de agir não deixa dúvida do pavor que as elites têm do povo e o quanto lhes custa aceitar a sua existência no mesmo espaço, também por isso querem privatizar tudo que é público e se trancar em condomínios privados, onde a convivência pode ser filtrada. Os policiais, em sua grande maioria, provêm das mesmas classes sociais que os traficantes e bandidos, mas estão paramentados pelo Estado para massacrar quando são chamados a agir. Sem reticências, sem nenhum resquício de consciência social e moral, “bandido bom é bandido morto”, mas a separação entre bons e maus é feita pela bala disparada. Salvem-se quem puder, porque a bala perdida é bandida!

No fim das contas os brasileiros é que decidirão, com ou sem consciência disso, o seu futuro, o que o país será daqui em diante, porque o colonialismo não morreu por estas terras, muito pelo contrário. Os neocolonizadores continuarão a espoliar as nossas cidades usando-as somente para ganhar dinheiro, por isso não há nenhuma preocupação com a sua preservação histórica e arquitetônica, elas continuarão sendo destruídas para que novas construções sejam feitas, com o objetivo claro aumentar o faturamento das novas construtoras, porque as mais antigas faliram. As grandes construtoras financiam este tipo de gestor público e um dos objetivos é apagar a memória coletiva e levar a população pobre para o mais longe possível dos seus condomínios. Querem vender imóveis sem levar em conta um desenvolvimento harmônico das cidades e o bem-estar dos seus moradores. Os neocolonialistas recolonizam o próprio país, fazendo dele um experimento nunca acabado e é sobre os seus destroços que criam novos negócios. Sempre foi isso, um negócio, e nunca houve um projeto de país, por isso incomoda quem tenha algum, para eles é uma ameaça, pois se julgam donos de tudo que existe sobre o território brasileiro.

Vinicius Todeschini 07-09-2023

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