O álibi dos conservadores
O fenômeno histórico do bolsonarismo catalisou, sob a sua égide, o avanço das organizações de extrema-direita e causou uma regressão aos poucos avanços sociais que o país experimentou nos últimos 50 anos. Os especialistas, que não se cansam de repetir obviedades, afirmam que a maioria dos brasileiros são conservadores e isso acabou sendo aceito, tacitamente, pela opinião pública que, na falta de observações mais profundas e elaboradas, adotou essa máxima como verdade definitiva.
O Brasil suporta ao longo da sua história o controle por parte das suas elites que, através de mitos e estórias, consegue manter a maior parte da população submissa à estrutura responsável pela imobilidade social e pela miséria estrutural de cada dia. O fenômeno histórico do bolsonarismo catalisou, sob a sua égide, o avanço das organizações de extrema-direita e causou uma regressão aos poucos avanços sociais que o país experimentou nos últimos 50 anos. Os especialistas, que não se cansam de repetir obviedades, afirmam que a maioria dos brasileiros são conservadores e isso acabou sendo aceito, tacitamente, pela opinião pública que, na falta de observações mais profundas e elaboradas, adotou essa máxima como verdade definitiva. No entanto, além de uma desculpa muito antiga, trata-se de um álibi para não penetrar sob as camadas finas deste verniz onde atuam pensamentos e comportamentos subversivos a isso.
Os donos do país, ocupados com o problema estrutural de manter a subserviência de uma população e, consequentemente, da sua força de trabalho, nunca pouparam esforços para manter o controle e jamais se arriscam a deixar uma fronteira livre onde a maioria que não vive, apenas sobrevive, pudesse se emancipar dos seus exploradores. É assim que os brasileiros atuais foram criados e assim seguem caminhando sem fazer o seu próprio caminho, mas sendo conduzidos como gado. “Na boiada já fui boi/Mas um dia me montei/Não por um motivo meu/Ou de quem comigo houvesse/Que qualquer querer tivesse/Porém por necessidade/Do dono de uma boiada/Cujo vaqueiro morreu”. A letra de Geraldo Vandré da canção “Disparada”, em parceria com Théo José, conta as aventuras de um personagem que ascende socialmente e passa de boi a boiadeiro, um condutor de gado, mas a serviço do patrão e pela necessidade dele e não pela sua, porque um vaqueiro morreu e o dono das terras e do gado precisa de um substituto.
A tristeza da alma brasileira foi sublimada na antiga música crua dos morros, responsável pela criação do carnaval e das grandes escolas de samba que, ao longo do tempo, foram cooptadas pelos bicheiros e monetizadores oportunistas com faturamento alto e interesses difusos. Por ironia, os locais mais interessantes da cidade do Rio de Janeiro foram povoados pelos ex-escravos abandonados à própria sorte pelo Estado, eles ali se instalaram em condições precárias e só tiveram os seus títulos de posse da terra reconhecidos quando o ex-governador Leonel Brizola tomou esta iniciativa e por isso nunca foi perdoado por isso pelas elites cariocas. A cidade do Rio de Janeiro gestou e pariu o monstro da desigualdade mais visível e cruel e se tornou o emblema de um país cheio de contrastes e injustiças.
Quando se percebe as ações do atual Congresso Nacional votando projetos de lei que podem criar retrocessos, como a proibição do casamento gay, se infere que o abismo social não vai ser resolvido tão cedo, porque as forças da ‘Reação’ estão mais atuantes do que nunca e seus representantes na política são muito bem pagos para fazer o seu papel de guardiões da ordem conservadora que, a rigor só favorece quem é rico e quer manter os pobres imobilizados e condenados a assistir, nos piores lugares, o espetáculo das elites. O Brasil se inscreve na história do mundo como o país de grande população mais cruel e injusto socialmente, não há avanços que não sofram a contrapartida das forças reacionárias e não há descanso para os que defendem uma nova ordem mais humana e mais justa, a luta é renhida e sem tréguas.
A delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente -coronel Mauro Cid, confirmou o que todos suspeitavam, que havia um golpe de Estado sendo articulado pelo ex-presidente. Bolsonaro agiu assim porque não temia o futuro e achava que ganharia as eleições, mas pelo seu ódio pela Esquerda e pelo PT queria mais, por isso dar um golpe e se perpetuar no poder era o grande projeto do seu governo. Os conservadores poderosos de todo o país apoiavam essa ideia de forma aberta ou velada e desejavam com um ditador no Planalto aumentar ainda mais as suas fortunas e os seus privilégios. As Forças Armadas não apoiaram o plano, com exceção da Marinha, através do seu comandante o almirante Almir Garnier.
Garnier e seus familiares receberam muitos benefícios do governo Bolsonaro (:) sua esposa Selma Foligne, ocupou cargo na Secretaria-Geral da Presidência depois de aposentada na Marinha. Ela atuou na Marinha sem concurso público desde 1993, com um salário de R$ 29, 5 mil. O filho do casal, o advogado Almir GarnierJr, foi contratado pelo governo Bolsonaro seis meses depois do pai ser alçado ao cargo de comandante da Marinha. Viagens à Toscana em avião da FAB com familiares e convidados, condecorações às figuras públicas que apoiavam o retorno da ditadura, está entre as suas tantas tropelias. A Marinha brasileira que açoitava marinheiros -que resultou na Revolta da Chibata- que perseguiu o Almirante Negro João Cândido -um dos seus mais brilhantes marinheiros- enfim, uma instituição que deveria, assim como os conservadores dessa elite decadente que quer manter o Brasil desigual e injusto, rever as suas posições, embora seja improvável que isso aconteça. Assim atuam essas forças que dizem que o Brasil é um país conservador, mais uma grande mentira repetida há séculos e talvez, por isso, ainda ressoe como verdade.
Vinicius Todeschini 21-09-2023