As contradições dos golpistas
Depois que a internet chegou ao nível de participação que temos hoje, somado ao advento das redes sociais, aquela máxima do escritor italiano Humberto Eco de que a internet deu voz aos imbecis está reafirmada, além disso, ela também deu ferramentas para os extremistas criarem uma teia infindável de mentiras onde não é tão difícil assim se enredar e seguir caminhos cada vez mais distantes da realidade.
A democracia coloca uma questão fundamental para a sua própria existência: ser ou não ser democrata, eis a questão! Se democracia é o regime da plena liberdade de expressão, como conviver democraticamente com quem é contra a democracia? Quem é contra o poder (kratos) do povo (demos) só poderá se expressar assim se estiver vivendo em uma democracia, portanto, o contraditório se transfere para quem defende o autoritarismo, porque é o regime democrático atacado que irá salvaguardar os seus direitos. O que a democracia não poderá fazer é apoiar quem tentar destrui-la, porque já não será mais um direito de livre expressão e sim uma subversão ao próprio conceito de liberdade, intrínseco ao regime democrático. No entanto, ainda assim, a democracia deverá disponibilizar o pleno direito a defesa e o acesso à totalidade dos seus dispositivos legais a todos os cidadãos, mesmo aos que tentam destrui-la.
Na atual CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Golpe foi a vez do general Augusto Heleno, um dos personagens mais bizarros que lá compareceu. Augusto Heleno foi ex-ajudante de ordens do general Silvio Frota que, açulado por golpistas da época (:) como os deputados Siqueira Campos e Marcelo Linhares e os militares Jayme Portela (um dos que catapultou a candidatura do general Costa e Silva à sucessão do Marechal Castelo Branco) e Enio Pinheiro, tentou dar um golpe dentro do golpe, mas foi impedido por outro general e ditador da época, Ernesto Geisel. São muitos generais metidos em golpes na história do país, o que é uma sinistra tradição brasileira que, aliás, o general Heleno faz jus.
Arrogante e mercurial, o general da reserva Augusto Heleno se contradisse, resmungou palavrões e acabou sendo desmentido constantemente pelos parlamentares com fatos e fotos. A sua passagem pelo governo de Bolsonaro foi marcada por inúmeras atuações dignas de uma comédia de pouca criatividade, como, por exemplo, quando ao criticar o “Centrão” (grupo de políticos que se formam historicamente para atuar de forma fisiológica no Congresso Nacional) cantou o samba de Ary do Cavaco -compositor da Escola de Samba Portela- “Reunião de Bacanas” parodiando a letra original que diz: “Se gritar pega-ladrão/Não fica um meu irmão” para, “Se gritar pega Centrão/Não fica um meu irmão”. Mal sabia o general que, logo ali adiante, o seu líder, Jair Bolsonaro, se aliaria ao Centrão para poder continuar desgovernando o país.
O nefasto espetáculo continuou com a participação dos congressistas bolsonaristas tentando enaltecer a figura do general, mas o auge do risível foi praticado pelo senador do Espírito Santo, Magno Malta, que visivelmente alterado repetiu, incansavelmente, com a língua arrastada o nome do general para enaltecê-lo: “General Heleno, general com letra g, letra garrafal, general escrito com letras garrafais”. A cena dura o suficiente para se perceber o quanto o povo brasileiro ainda precisa amadurecer para não eleger figuras assim. No entanto a tragicomédia não terminou aí, o filho do ex-presidente e senador pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, comparou a detenção dos invasores das casas dos Poderes Constituídos, no dia 8 e 9 de janeiro do corrente ano em Brasília, à condução do povo judeu para os trens que os levariam aos campos de concentração onde seriam mortos em câmaras de gás.
Depois que a internet chegou ao nível de participação que temos hoje, somado ao advento das redes sociais, aquela máxima do escritor italiano Humberto Eco de que a internet deu voz aos imbecis está reafirmada, além disso, ela também deu ferramentas para os extremistas criarem uma teia infindável de mentiras onde não é tão difícil assim se enredar e seguir caminhos cada vez mais distantes da realidade. Existe também a Deep Web por onde, através da Dark Web, acontecem coisas ainda mais obscuras, mas nem todas igualmente ilegais. Normalmente o cidadão comum não se aventura por aí, porque é preciso muito mais conhecimento e os riscos são maiores. O King’s College London analisou mais de 2.700 sites da darknet e constatou que mais de 60% deles hospedavam conteúdos ilícitos. Nunca foi possível deter o novo, mas a ironia fica por conta dos maquiavélicos defensores de ideologias conservadoras que usam o que há de mais moderno para tentar voltar ao passado.
O mês de janeiro deste ano levou às instituições brasileiras a enfrentar duras provas e de qualquer forma elas resistiram, mas agora surgem novos desafios: enfrentar um grupo poderoso com muito dinheiro e poder, obstinado por manter o povo em rédea curta para que não se emancipe intelectualmente e passe a exigir que os seus direitos, duramente conquistados, não sejam minados como aconteceu na Reforma Trabalhista (governo Michel Temer) e na Reforma da Previdência (governo Bolsonaro). Todas as duas reformas feitas à guisa de “melhorias” e promessas de mais emprego e renda, o que nunca aconteceu, muito pelo contrário. Na Reforma da Previdência o desastre para os trabalhadores foi ainda mais completo, aumentando o tempo de contribuição para a aposentadoria e diminuindo os valores a serem pagos, justamente na fase mais necessária. O desgosto dos arrependidos que votaram, nas eleições de 2018, em quem governou só para os ricos é visível, mas o preço a pagar continua valendo e o remorso também.
Vinicius Todeschini 28-09-2023