Crónicas do Brasil | 14-10-2023 18:55

Quando a polícia é um problema de polícia

Vinicius Todeschini

Nos estados coexistem a polícia militar e a polícia civil (dividida em polícia judiciária e penal). Lula prometeu na sua primeira campanha vitoriosa à presidência a unificação das polícias, mas não a fez e nunca mais tocou nesse assunto publicamente. Unificar as polícias não é uma tarefa simples, porque os corporativistas dessas duas forças entendem isso como uma guerra declarada: dividir para conquistar.

O Brasil não avançou na garantia dos direitos humanos, porque aqui existe uma sociedade de castas, tacitamente, aceita por todos. Os policiais reproduzem isso em suas ações e não há nenhuma mudança consistente em suas práticas, principalmente em áreas onde vive a população mais pobre. Os filhos dessas pessoas aprendem, desde muito cedo, a temer a polícia e acabam desenvolvendo uma aversão justificável aos representantes da “Segurança Pública”. As abordagens feitas aos jovens da periferia costumam ser truculentas e humilhantes, mesmo quando são feitas em outros bairros das cidades, são ações que pecam pelo excesso e o uso desnecessário da força, já que quase nunca há resistência e parecem executadas para os transeuntes verem a polícia em ação, mas expressam apenas os vários níveis de cidadania que há no país.

Nos estados coexistem a polícia militar e a polícia civil (dividida em polícia judiciária e penal). Lula prometeu na sua primeira campanha vitoriosa à presidência a unificação das polícias, mas não a fez e nunca mais tocou nesse assunto publicamente. Unificar as polícias não é uma tarefa simples, porque os corporativistas dessas duas forças entendem isso como uma guerra declarada: dividir para conquistar. Os núcleos de poder que comandam essas corporações acreditam que forem unificadas a disputa por espaço será maior e práticas abusivas serão mais fáceis de serem detectadas e punidas. Por isso a unificação é improvável, quiçá impossível, além disso, em 2023, o Supremo Tribunal Federal confirmou em caráter irrevogável o poder de polícia das guardas municipais, surgiram também os temíveis departamentos municipais de trânsito -sempre prontos para multar e nunca para orientar- portanto, o caldo ficou mais grosso e mexer nessa gororoba não é um desafio que inspire os políticos atuais, muito pelo contrário.

Os extremistas de direita foram penetrando, pouco a pouco, no espaço simbólico das forças policiais, na medida que a Esquerda foi perdendo cada vez mais espaço por não ter uma política objetiva para o desafio da segurança pública e seguir mandando duplas mensagens aos policiais, porque ao defender uma pauta social e tentar desenvolver dentro das polícias o conhecimento e o respeito aos direitos humanos não conseguiu dar aos policiais nem a formação, nem as condições sociais compatíveis com a função. O fracasso dessas políticas levou a maioria ao desencanto e ao imediatismo, que culminou com a maioria dos agentes e oficiais apoiando abertamente à extrema-direita e declarando voto em quem pretendia se perpetuar no poder a qualquer custo. Bolsonaro foi derrotado, mas o problema das polícias e dos militares precisa ser questionado e revisitado à luz de leis mais claras e rígidas, afinal: “polícia para quem precisa de polícia”, como diz a letra do rock dos Titãs, “Polícia”.

A violência e a tortura como método de repressão e confissão parecem estar estratificadas nas camadas mais profundas da vida brasileira e abusos continuam acontecendo no dia a dia e, ciclicamente, uma chacina nos acorda para o fato que nada mudou. A extrema-direita ainda quer convencer a sociedade e ampliar ‘o excludente de ilicitude’, Jair Bolsonaro, quando era presidente, enviou projeto à Câmara para que os juízes reduzam a pena ou deixem de aplicá-la em situações em que ocorram excessos por causa do medo, surpresa ou violenta emoção. Isso seria um sinal claro para as forças policiais matarem ainda mais e, também, confirmando esta profissão como polo de atração para psicopatas e facínoras. Sergio Moro, que irá depor no Tribunal Regional Eleitoral do estado do Paraná no processo que poderá levar a sua cassação, também defende essa bandeira, contrariando o óbvio; pois sempre existiu excesso de violência policial no Brasil e aumentar esta prerrogativa seria mais um desastre da política brasileira em benefício dos poderosos e contra a maioria do seu povo.

A guerra entre o Hamas e Israel repercute no Brasil e os políticos de direita tentam impingir ao presidente Lula e ao seu partido ligações com o grupo palestino. O Brasil segue a linha histórica de só classificar um grupo como terrorista se assim for considerado pela ONU. A diferença entre o poder de fogo de Israel, que possui um dos exércitos mais poderosos do mundo, e o Hamas, não deixa dúvida de quem vencerá a guerra e nem de como será desproporcional o número de mortos de um e de outro lado. A comparação do número de mortos entre janeiro de 2008 e agosto de 2023, sem contar o último ataque que deflagou o conflito, deixa isso muito claro. No total morreram 308 israelenses entre civis e militares e 112 foram por conta de grupos palestinos armados, no outro lado e no mesmo período foram mortos, 6.407 palestinos, quase todos civis e mortos por militares israelenses. O avanço da extrema-direita em Israel adiou indefinidamente a superação do seu maior desafio na construção de uma sociedade mais igualitária e laica, progredindo em direção a um Estado de direito onde todos sejam cidadãos israelenses, judeus e não judeus. O que aconteceu no regime imposto pela extrema-direita de Benjamin Netanyahu é a busca pela afirmação do caráter judeu do Estado, tornando-o ainda mais religioso e racista. Não há saída por aí.

Vinicius Todeschini 12-20-2023

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