O Paroxismo Brasileiro (Foi um Rio que passou na sua vida...)
Paulinho da Viola que me perdoe o uso do verso da sua música, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”, ligeiramente alterado, como subtítulo, na verdade é só uma ironia singela, porque achar que a homenagem de Paulinho à sua escola de samba, Portela, enaltece o Rio é um exagero e de qualquer forma Paulinho da Viola cresceu e viveu uma vida especial em uma cidade que ainda não tinha escancarado todos os seus dentes contra o seu próprio povo, aquele que lhe deu identidade cultural e fama pelo mundo afora.
Das duas frases iniciais do samba rock de Gilberto Gil “Aquele Abraço”, sendo a primeira, “O Rio de Janeiro continua lindo” e a segunda, “O Rio de Janeiro continua sendo”, esta última continua valendo. O Rio de Janeiro continua sendo o paroxismo brasileiro, quando a isso não restam dúvidas e, talvez, não restem nem perguntas, porque elas têm respostas óbvias, mas nenhuma solução à vista. É sempre um povo perseguindo o outro, uma classe explorando a outra, como os conflitos do Oriente Médio, onde um povo perseguido e genocidado pelos nazistas, inverte os papéis e acaba por se tornar o algoz de um outro povo. O Rio de Janeiro há muito tempo é um estado miliciano, onde a ‘presença-ausência”, historicamente seletiva e corrupta do Estado financiou e promoveu. Enunciados, como o do Jornal Estadão, um jornal notoriamente a serviço das elites financeiras (responsáveis por tudo isso) “O Rio de Joelhos” tem à intenção de apontar que há uma solução para o problema, quando ela não existe, porque é só uma recorrência a mais na cidade mais representativa do bom e do ruim que o Brasil produz culturalmente. ‘Foi um Rio que passou na sua vida Mané, não amola!” assim poderia se dizer, no estilo do atual presidente do STF – Luís Roberto Barroso. E passou mesmo, mas o tal Rio maravilhoso nunca existiu.
As origens das milícias -que querem datar e criam para isso argumentos crus, sem nenhuma consistência, mas ditos de forma melíflua para arrebanhar prosélitos- não se pode precisar, porque a criação de cidades como o Rio de Janeiro já começa com o assassinato em massa dos povos originários que ali habitavam. Os genocídios perpetuados pelos europeus que colonizaram as Américas ainda são subestimados por muitos historiadores, a grande maioria não amplifica, na proporção devida, as tragédias que marcaram esses lugares e poucos dizem que não era um direito natural dos colonizadores terem feito o que fizeram. Não era, nunca foi e nunca será, mesmo que se naturalize os fatos e que se demonize os povos originários, nada poderá mudar o fato que tudo já começou muito mal. Mais adiante temos a tragédia da Escravidão, que durou séculos e criou no inconsciente nacional um dos racismos mais hediondos, porque dissimulado pelo paternalismo e teatralizado para parecer que não existe. O ódio dos brancos pelos antigos escravos é um fato notório no mundo, existe um sem-número de histórias registradas após a Guerra da Secessão nos EUA, onde escravos libertos eram recapturados e escravizados novamente ou, quando resistiam, eram perseguidos e assassinados, mas diferente do Brasil, lá o racismo é escancarado, aqui é dissimulado, por isso, o Brasil foi, dos grandes países, o último a abolir a Escravidão.
Paulinho da Viola que me perdoe o uso do verso da sua música, “Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida”, ligeiramente alterado, como subtítulo, na verdade é só uma ironia singela, porque achar que a homenagem de Paulinho à sua escola de samba, Portela, nesse samba gravado em 1969, enaltece o Rio é um exagero e de qualquer forma Paulinho da Viola cresceu e viveu uma vida especial em uma cidade que ainda não tinha escancarado todos os seus dentes contra o seu próprio povo, aquele que lhe deu identidade cultural e fama pelo mundo afora. Se o Rio passou na vida do compositor, passa na vida nacional também, mas de forma brutal e avessa à paz. As explosões de violência nas grandes cidades brasileiras não são um fenômeno novo, em 2006, o PCC paralisou a cidade de São Paulo. A cidade, sempre caótica e intensa, depois das 16:00 foi ficando vazia até que, a partir das 20:00, parecia uma cidade fantasma. O número de mortos foi de 564, a maioria civis e inocentes, mais de cem ficaram feridos e 4 desapareceram para sempre. Há pouco Salvador viveu a mesma situação que o Rio está vivendo, porque as grandes cidades brasileiras reverberam o que o país é, onde todos os discursos apontam, invariavelmente, as soluções erradas e todas as iniciativas têm efeito placebo, só funcionam onde não há doença.
O nosso apartheid dá samba, porque foi criado por elites cruéis e sedentas de riqueza. Muitos colonizadores ganharam do Reino de Portugal extensões imensas de terras, no tempo do Brasil Colônia, e aqui nunca se fez uma Reforma Agrária verdadeira, então o conflito de interesses é secular e quando o conflito é antigo não existe solução fácil e, muito menos, a curto prazo. A esperança em Lula não é para tamanho desafio, porque a sua vitória não foi para resolver problemas estruturais dessa magnitude que, se fossem resolvidos, levariam o país a outro patamar como nação. Lula veio para nos livrar do fascismo mais atrasado e violento que nos assolou e agora esse perigo ronda a los hermanos, aqui ao lado, com Milei, um fascista violento e ex-assessor de general Antonio Bussi, durante a ditadura. O Estadão o chamou de libertário em matéria de capa e o Globo, através do G1, de ultraliberal. Vejam vocês! A grande mídia brasileira é responsável direta pela manutenção do status quo e pelo apoio direto e indireto que sempre deu aos governos de direita e extrema-direita, não é à toa que se apossou do mito do combate ao comunismo para lucrar e enriquecer, apoiada pelos governantes e pelos grandes empresários que, assim como os grandes empresários italianos que apoiaram Mussolini, aqui apoiaram Bolsonaro. ‘Rio de Janeiro batuca sem parar um samba sem medo da morte, pois é o silêncio que te atordoa e é sempre mais forte’.
Vinicius Todeschini 25-10-2023