Crónicas do Brasil | 25-11-2023 09:05

Ahora te toca a ti Argentina

Vinicius Todeschini

O povo argentino, principalmente os mais fragilizados socialmente, sentirá a mão dura dos extremistas sob a sua cabeça e corpo, serão anos duros e a pobreza aumentará em proporções “milescas. O radicalismo e os confrontos violentos estão dentro das possibilidades, diante da postura alucinada do futuro presidente”.

Agora é a vez da Argentina experimentar quatro anos de incertezas e retrocessos, assim como foi aqui no Brasil os quatro malfadados anos de Bolsonaro no governo, ou, para os mais velhos; o período de Collor de Mello, entre 15 de março de 1990 e 2 de outubro de 1992, antes do impeachment que o defenestrou da presidência. A nova democracia brasileira está conseguindo suportar a carga fascista, mas a extrema-direita abriu um amplo espaço através da cultura de fake news e o seu espectro ameaçador segue ao derredor Os discursos e atuações, articulados com essa indústria de mentiras, transformou a política brasileira em palco para a exibição dos mais desqualificados roteiros, pior: tudo isso teve como consequências (:) a perda de direitos trabalhistas e previdenciários, o não investimento em saúde e educação (como é de praxe nesses governos), além da tentativa de criar, à moda nazista, uma subcultura onde a devoção a um líder carismático e paranoico, a negação da ciência e da democracia e a religião e a fé manipuladas por falsos pastores são os axiomas basais. Por fim, derrotados apelaram para um golpe e Bolsonaro, apesar de inelegível, continua por aí atacando, sem provas, o governo e a democracia.

O novo presidente eleito da Argentina, Javier Milei, tem como proposta fundamental implodir o Estado, seu arqui-inimigo, jura feita com a mão sobre os livros do seu guru Murray Rothbard. Entre as suas promessas de campanha, uma das mais faladas, é acabar com o Banco Central, tarefa que a maioria dos economistas de plantão consideram inviável, porque é o órgão regulador da base econômica. Existem as conversas de Milei sobre a liberação da venda de órgãos, quando afirmou que se tratava, apenas, de mais um mercado. Diante da repercussão negativa surgiu uma nova versão, feita pela importante representante eleita do novo governo, Diana Mondino, ela afirmou em uma entrevista na televisão que se tratava de um mercado de órgãos que, segundo ela, é muito diferente da venda de órgãos...

Inspirado na Escola Austríaca, Milei, no entanto, não foge do padrão “salvador da pátria”, como Collor e Bolsonaro foram aqui no Brasil, aquele personagem que aparece oportunamente quando a situação parece não ter solução, porque os governantes no cargo não conseguiram, em seu período de mandado, mudar o quadro geral. Os argentinos deveriam se lembrar que a crise em seu país vem de muito longe e, antes do presidente, Nestor Kirchner, conseguir estabilizar o país, em 2003, a crise era tamanha que a economia funcionou na base de escambo. Aqui no Brasil, Bolsonaro falava em ‘nova política’ na campanha, mas bastou se eleger para cair nos braços do tradicional Centrão, o maior partido informal do Brasil, o que está sempre no governo. A Argentina é diferente do Brasil, lá os governadores têm muito mais peso que aqui e não existe um Centrão nos moldes brasileiros, porém, o projeto de desmonte pode desconstruir o sistema econômico da Argentina e, como sempre, jogarão fora a água da banheira junto com o bebê.

Javier Milei se comunica, através de um médium como seu finado cão, Conan. Ele clonou o cão e os frutos desse processo receberam nomes dos economistas que admira, como o próprio Murray Rothbard, além de Milton Fridman e Robert Lucas, a clonagem está confirmada pela empresa PerPETuate em seu site. O certo é que as privatizações começarão desenfreadamente, mas Milei enfrentará muita resistência e, provavelmente, mesmo com o apoio de jovens liberais que adotaram a denominação, “As Forças do Céu” -nome criado pelo próprio Milei e citado recorrentemente em seus discursos- os embates com os peronistas, que só na província de Buenos Aires são cerca de 33%, poderá chegar às ruas. “EL Loco”, este é o título da sua biografia, escrita pelo escritor Juan Luis Gonzalez, que conta que Milei dava champagne para o seu amado cachorro. As semelhanças com outros líderes desta linha são evidentes.

O mundo está sempre em risco porque surgem, dos miasmas criados pela degradação social, novos líderes que inflamam a banda podre da humanidade para se unir e atacar (:) pessoas, culturas, estilos de vida e países inteiros, só porque se consideram os arautos do “novo mundo”. Assim foi construída a civilização: de guerra em guerra e de genocídio em genocídio; ideologias beligerantes e intolerantes com as diferenças pessoais e culturais criam e disseminam uma ideia central, como esta da extrema-direita israelense, que convenceu a maioria da sua população que qualquer ataque a Israel visa o extermínio da nação. Alegam serem originários dessa região e por isso possuem o direito legítimo à terra natal. A extrema-direita é muito flexível em relação a direitos legítimos, porque aqui no Brasil, por exemplo, são radicalmente contra os direitos de posse da terra dos povos originários.

O povo argentino, principalmente os mais fragilizados socialmente, sentirá a mão dura dos extremistas sob a sua cabeça e corpo, serão anos duros e a pobreza aumentará em proporções “milescas. O radicalismo e os confrontos violentos estão dentro das possibilidades, diante da postura alucinada do futuro presidente”. Milei perdeu o debate para Sergio Massa, sequer soube dizer como executar o que está prometendo e não respondeu porque não sabe mesmo, simples assim, é mais um aventureiro na história da América Latina. “As veias abertas da América Latina” -como escreveu Eduardo Galeano- continuam deixado o seu sangue ser drenado pelos vampiros que surgem da sua vasta noite. A semelhança de Milei com tais criaturas não é mera coincidência.

Vinicius Todeschini 23-11-2023

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