Alberto da Costa e Silva, Vivo.
Um dos melhores e mais discretos poetas de sua geração, foram os livros que escreveu sobre a África ou sobre nossas relações com o mundo africano que o tornaram célebre, consagração que o alcançou quase septuagenário e um tanto fatigado do serviço diplomático. O “senhor Embaixador” era como muitos o conheciam e tratavam. Para nós, da literatura, ele sempre foi mais o poeta, amigo dos livros.
– Cuide primeiro do Rawet. Ele merece.
Foi assim que Alberto reagiu quando lhe disse que andava eu atrapalhado e que antes da antologia que me pedira para fazer de sua poesia, precisava concluir a organização da obra de Samuel Rawet, um de seus melhores amigos de juventude. Poucos escritores conheci que tivessem essa consciência tão aguda de fazer as coisas pelos outros, e igualmente por aqueles que já se foram. Assim Alberto sabia ser amigo dos seus amigos, vivos e mortos, porque raramente faltava a tarefas; não deixava de comparecer até às mais complicadas, como um missionário.
Com esmero, cuidou primeiro da obra do pai, o poeta simbolista Da Costa e Silva, que morreu quando ele, Alberto, recém completara 19 anos. Foram sucessivas edições, sempre melhoradas, das Poesias completas de Da Costa e Silva, num devotamento filial único em nossa história literária. Em surdina, no início dos anos 50 começou também a publicar em livro seus poemas de forte índole elegíaca, que fez circular em edições de tiragem limitada nas duas ou três décadas seguintes. Distribuía esses pequenos livros aos amigos, em geral nas festas natalinas, às vezes dando notícia do nascimento dos filhos, sempre ao lado de Vera, a companheira falecida em 2011.
Nele, o ensaísta nasceu depois dos quarenta anos. Em 1989, publicou em Lisboa a sua primeira reunião de artigos, O vício da África e outros vícios. O historiador permaneceria inédito por mais alguns anos – o primeiro título, A enxada e a lança: a África antes dos portugueses, de 1994, disse ter começado a escrever em meados dos anos 70, nas trilhas do seu antigo e constante fascínio pela África, que alterou os rumos de sua existência.
Um dos melhores e mais discretos poetas de sua geração, foram os livros que escreveu sobre a África ou sobre nossas relações com o mundo africano que o tornaram célebre, consagração que o alcançou quase septuagenário e um tanto fatigado do serviço diplomático. O “senhor Embaixador” era como muitos o conheciam e tratavam. Para nós, da literatura, ele sempre foi mais o poeta, amigo dos livros. Éramos vizinhos e certa vez ele me disse, rindo, que um dos maiores problemas do escritor é a sua biblioteca: “Os livros se multiplicam como amebas e precisamos saber lidar com isso”.
Planejou desde jovem compor uma trilogia que definiu como “ficções da memória”, inaugurada com uma de suas obras-primas, Espelho do príncipe, em 1994. Há mais de uma década, confessou-me estar engasgado com o terceiro e último volume dessas memórias porque sua visão do golpe militar de 1964 podia desagradar a todos, gregos e troianos. Disse-lhe que escrevesse o que tivesse de escrever e não se preocupasse com as reações. Olhou-me meio desconfiado, com aquele jeito algo paternal com que costumava me alertar: “Você precisa perder peso. Na sua idade, é muito perigoso.”
Apaixonado por artes plásticas, também nesse campo nos legou páginas exemplares não só de grande conhecedor da matéria, mas de quem sabia enxergar em detalhes e a fundo a pessoa no artista, e foi assim que escreveu sobre Carybé, Lula Cardoso Ayres e Mestre Dezinho de Valença do Piauí, entre outros tantos. Sobre Dezinho publicou um ensaio fora do comum. Em tudo, Alberto da Costa e Silva “somava, não subtraía”, como observou ele próprio sobre Pierre Verger.
Descrição
NOTA: Alberto Vasconcellos da Costa e Silva (12 de maio de 1931 – Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2023). Foi um diplomata, poeta, ensaísta, memorialista e historiador brasileiro, distinguido com o Prémio Camões de 2014.