Crónicas do Brasil | 28-12-2023 10:33

O Ônibus de Milei

Vinicius Todeschini

A descrença em instituições fundamentais, como os judiciários ( : ) abriu enorme espaços para personagens como Trump, Bolsonaro e Milei, lideranças da extrema-direita sem trajetórias políticas relevantes, mas capazes, pela sua total de escrúpulos, de destruir sem relutância, além disso a volta de Trump à presidência parece ser iminente nos EUA.

A Argentina começa a experimentar a forma Milei de governar ao ser atropelada pelo “Ônibus”, apelido que recebeu o seu pacotão pelo tamanho e por tentar lubridiar a Constituição. A chuva de protestos que desaguou em uma ação com acusações de desvio de poder e abuso de direito público por violação do princípio republicano, em função dos muitos itens que deveriam ser analisados, confirmam que Milei e seu grupo estão tentando superar rapidamente esta etapa através desse estratagema inconstitucional. A primeira resposta do juiz federal, Esteban Furnari, que vai examinar o pacote é que esta ação deva ser registrada no cartório de ações coletivas. O juiz alega que assim se impede que se abram outras ações, porque todos os casos estão concentrados em um só.

O megapacote de Milei foi acondicionado em um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência) com mais de 300 medidas e entra em vigor 8 dias após a sua publicação, depois o chefe da presidência terá até 10 dias para enviar para o Congresso analisar em uma comissão bicameral composta por 8 deputados e 8 senadores que, por sua vez, emitirá um parecer para ser avaliado pelas duas casas. A demora parece favorecer ao governo, inclusive a primeira posição do juiz federal sobre ser uma ação coletiva. Ressalte-se que um DNU não caberia, porque na Constituição Argentina está claro que este dispositivo só deve ser usado em situações extremas, onde não há atuação possível do Congresso, o que não acontece porque há uma situação de normalidade constitucional.

A estratégia principal dos candidatos a ditador é sempre a mesma: estressar as instituições basais da democracia, combinando isso com discursos populistas sobre a recuperação da economia e os sacrifícios necessários que o povo terá que fazer antes que o crescimento aconteça. A riqueza do povo nunca chega verdadeiramente, mas os sacrifícios, estes nunca se atrasam. Ao contrário dos ditadores da primeira metade do século XX que desejavam um Estado forte e criador de uma estrutura para suportar uma espécie de socialismo sem consciência, onde a cabeça pensante das massas era o próprio ditador, os novos candidatos a ditadores defendem um neoliberalismo radical, assim como fez Pinochet, ainda um modelo para a extrema-direita na América do Sul, transferindo toda a responsabilidade para os economistas tipo “chicago boys”, como o ex-ministro Paulo Guedes, que serviu ‘orgulhosamente’ ao regime chileno.

As tramas políticas são orquestradas para que os que dançarem ao som delas possam se sentir seguros nas mãos das piores pessoas. A Argentina está entrando em um terreno muito perigoso, o Brasil trilhou há pouco este caminho e ainda levará muito tempo e evolução para superar o perigo de um retrocesso. As democracias sofreram muitos abalos pela sua falta de aperfeiçoamento e pelas injustiças reproduzidas por sua falta de eficiência e lentidão, porque o cumprimento dos prazos é fundamental para que haja justiça. A descrença em instituições fundamentais, como os judiciários, com suas complexidades e privilégios e a sua, aparentemente, impassividade e inoperância frente ao sentido de urgência das pessoas, abriu enorme espaços para personagens como Trump, Bolsonaro e Milei, lideranças da extrema-direita sem trajetórias políticas relevantes, mas capazes, pela sua total de escrúpulos, de destruir sem relutância, além disso a volta de Trump à presidência parece ser iminente nos EUA.

As eleições municipais do próximo ano prometem grandes disputas entre as principais forças políticas do país. Na cidade de São Paulo, a maior e mais rica cidade do país, onde o atual prefeito, Ricardo Nunes concorrerá à reeleição -ele recebeu a prefeitura depois do prefeito eleito, Bruno Covas, falecer durante o mandato, depois de uma longa doença- contará com o apoio de Bolsonaro que poderá escolherá o vice. Guilherme Boulos receberá o apoio de Lula e, Tabata Amaral, concorrerá tendo o popular apresentador do programa “Brasil Urgente” (pela Rede Bandeirantes), José Luiz Datena, como seu vice. Os dois correm ‘por fora’ na esperança de criar uma alternativa ou uma terceira via, como dizem por aqui.

No Brasil se tem pouco tempo real para governar porque de dois em dois anos existem eleições, algo contraprodutivo e caro, por isso não causa estranheza o título de país que mais gasta com eleições. O último ano de governo sempre está contaminado pelo processo eleitoral e mobiliza os governantes e parlamentares para se engajarem em nova campanha. Bolsonaro, por exemplo, ficou os quatro anos em campanha, embora ele seja uma exceção, não é tanto assim. O ideal seriam eleições de cinco em cinco anos, aumentando o tamanho dos mandatos e sem direito à reeleição para cargos executivos. As democracias dormiram ‘o sono dos justos’ e acordaram de susto, quando viram o fascismo ressurgir organizado e atualizado digitalmente. - Mateus 24:43- Sabei, porém, isto: se o dono da casa soubesse a que vigília da noite havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria minar a sua casa”. Nada é vencido, definitivamente, porque o ladrão da noite só consegue sucesso quando o vigia está distraído ou dormindo.

Vinicius Todeschini 27-12-2023

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