Reconhecimento
Elites mesquinhas e agressivas nunca se importaram com a relação entre ética e estética, mas o resultado da vida de cada um as torna inseparáveis. Aderiram a Bolsonaro porque ele representa o que está recalcado em seu inconsciente e, mesmo quando fazem ressalvas a atitudes do ex-presidente, jamais abrem mão das narrativas maniqueístas sobre bem e mal, família e propriedade.
Pessoas que escrevem não deveriam esperar reconhecimento, porque isso é raro e cada vez mais complicado a cada dia que passa. Eu escrevi sobre as Forças Armadas do Brasil, algumas semanas atrás, e a repercussão foi muito boa, mas o que não se esperava é a Globo News tratar do assunto dentro da mesma perspectiva que aqui foi feita e referendar todos os dados aqui publicados. As grandes empresas de mídia vivem de anunciantes e andam sobre gelo fino o tempo todo, tentando combinar credibilidade e anúncios. Entra muito dinheiro, mas existem riscos e nem todos podem ser calculados. As mídias da Globo, da qual a Globo News faz parte, fizeram escolhas muito equivocadas, como no caso da Lava-Jato, onde configuraram Sergio Moro como messias e Deltan Dallagnol como o apóstolo Pedro. A campanha contra as esquerdas, concentrada na figura de Lula, foram extremamente persecutórias e ultrapassaram qualquer ética jornalística de imparcialidade, no entanto, essa empresa não perdeu a tramontana e suas diatribes continuam sempre dirigidas ao mesmo alvo. Algumas são tão forçadas que se tornam risíveis antes mesmo de serem esquecidas, porém, a intenção nunca muda.
A cultura brasileira perpetuou alguns valores que persistem ao longo do tempo. Falar mal do país, por exemplo, é muito fácil e mitiga responsabilidades por isso os velhos bordões tipo (...) ‘que país é este’, ‘não é um país sério’, ‘aqui tudo acaba em pizza’, se repetem, geração após geração. Muito estrangeiros que odiaram viver aqui costumam criar listas do que não gostaram no país e todas elas incluem a corrupção e impunidade, mas uma das críticas injustas é achar que o brasileiro é mal-educado. Essa falta de elegância no trato social não é um fenômeno isolado, se trata de epifenômeno mundial baseado no aumento do individualismo, fruto de uma sociedade que nos últimos 50 anos abandonou o interesse pelo bem-estar social e aderiu totalmente ao consumo como estilo de vida. O resultado é parecido pelo mundo afora, diferenças culturais à parte. O maior problema no país em relação a isso é que o Brasil nunca superou o colonialismo, porque as suas elites o recalcaram e o colocam em prática todos os dias, o bolsonarismo é fruto disso, todavia reconhecer essa condição é bem difícil.
Elites mesquinhas e agressivas nunca se importaram com a relação entre ética e estética, mas o resultado da vida de cada um as torna inseparáveis. Aderiram a Bolsonaro porque ele representa o que está recalcado em seu inconsciente e, mesmo quando fazem ressalvas a atitudes do ex-presidente, jamais abrem mão das narrativas maniqueístas sobre bem e mal, família e propriedade. Qualquer questionamento sobre isso é ofensa pessoal. As esquerdas contribuíram para isso acontecer ao aderirem a um ‘academicismo de domínio’, criando ambientes universitários asfixiantes para a alteridade que não fosse de esquerda, isso provocou reações e novos posicionamentos e movimentos rebelados surgiram, que mesmo mal-intencionados, cooptaram boa parte da juventude. O movimento de 2013, aparentemente acéfalo, foi uma somatização no corpo social.
Artistas quase nunca conseguem ganhar dinheiro suficiente para viver bem e muitos têm outras profissões para lhes dar suporte e continuar produzindo sua arte dentro das condições possíveis. Nunca foi fácil e muitos desistem, quando a vocação não está no mesmo nível dos seus talentos. Existem inúmeros caso de artistas medíocres que ficaram ricos e gênios que morreram na miséria e há casos de milionários que enriqueceram no mundo artístico sem fazer arte alguma. Não há regras, nem lógica, aliás, a lógica depende sempre da boa vontade em relação a ela, porque, por si só, não sobrevive. Hoje, quando se percebe o nível musical do país que já produziu uma das melhores músicas do mundo, a conclusão é que a música popular brasileira ficou impopular e o corpo assumiu a frente, desalmando as canções de sua profundidade, harmonia e delicadeza, criando ‘uma estética cachorra’.
Os bolsonaristas que se empenharam em acabar com a democracia brasileira também esperavam reconhecimento, além de proteção dos militares (sempre eles), mas agora terão que responder pelos seus atos subversivos e subversivo era quase um codinome para socialistas e comunistas nos anos de chumbo. A maioria da população experienciou, nos quatro anos de Bolsonaro no poder, a perda de direitos, de proteção social e a quase destruição do SUS (Sistema Único de Saúde), porém boa parte votou em Bolsonaro nas eleições de 2018, acreditando que um candidato a ditador, corrupto, amoral e representante das elites pudesse mudar uma realidade que as próprias elites criaram. Ledo engano! Os que não admitiram o equívoco fazem parte de uma camada logo abaixo das elites que comandam financeiramente o país e também se consideram elites. Esses, depois do desgoverno bolsonarista e a sua quase continuação através do golpe que falhou, em relação ao sucesso de Lula, reproduzem silentes o velho ditado que as pessoas antigas costumavam repetir: “ruim com ele, pior sem ele”. O que convenhamos é um progresso, porque ninguém em sã consciência esperaria uma assunção dos próprios erros por parte dessa gente.
Vinicius Todeschini 16-02-2024