Crónicas do Brasil | 08-03-2024 12:54

Agenda Golpista e o Conto da Aia

Vinicius Todeschini

O Brasil é um país que há pouco tempo era basicamente rural, com predomínio da agriculta de subsistência, mas mesmo agora o agronegócio predomina e o seu maior ativo são as comodities. O atraso cultural do país é evidente e a sua indústria sofre descontinuidade através do tempo, ora com boom de desenvolvimento, ora com retrocessos.

‘A raposa perde o pelo, mas não perde a mania’. A tradição golpista é tão forte nas Forças Armadas Brasileiras que o General Freire Gomes está sendo considerado traidor por não ter aderido ao golpe e ter dado um depoimento de cerca de 8 horas sobre a malfadada tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 à Polícia Federal. A insubmissão militar ao Poder Civil no país parece ser uma doença incurável e depois da Proclamação da República -que também foi um golpe- muitas conspirações militares se sucederam. O desprezo pelas leis que regem sociedade fez com que os militares criassem a sua Justiça, com tribunais próprios e juízes militares. Chamar isso de corporativismo é eufemismo, trata-se um espírito de casta sem nenhuma justificativa aproveitável ou racional, criada por um grupo de homens em uma época que o Brasil não passava de uma imensidão desconhecida e sem acesso ao interior.

O general Freire acabou revelando que lhe foram apresentadas duas minutas do golpe, uma por Bolsonaro e a outra pelo general Paulo Sergio Nogueira, ministro da Defesa do ex-presidente. Os bolsonaristas que tramavam o golpe pretendiam criar uma pseudonormalidade jurídica ao regime que adviria depois do golpe e na agenda apreendida pela PF, junto ao general Heleno, foi encontrado um rascunho feito com esse escopo. A ideia era reunir sob a mesma aba e sob comando do presidente, o Ministério da Justiça, a Advocacia Geral da União e a Presidência da República, um arranjo bem aos moldes dos regimes autoritários atuais, que buscam implodir as instituições de Estado para re-criar um autoritarismo de Estado com aparência democrática, como acontece na Hungria, por exemplo.

Pela ‘Teoria da Baioneta Inteligente’ e o general Heleno colocou isso em seu rascunho para tentar dar legalidade ao arranjo golpista, “ordem ilegal não se cumpre”. Não se ensina na AMAM (Academia Militar de Agulhas Negras) neutralidade política e uma certa ambiguidade do artigo 142 da Constituição até hoje dá margem para que os militares se sintam com direito de intervir quando julgarem necessário, eles seriam os guardiões de valores, a reserva moral da nação e da “família brasileira”. Essa cultura messiânica voltou a se acentuar nos últimos cinco anos dentro dos quadros militares e o processo de profissionalização das Forças Armadas, que se iniciou ao fim da ditadura, foi abandonado nos últimos cinco anos. Bolsonaro decretaria Estado de Sítio e depois chamaria uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Com o Estado de Sítio aprovado o Brasil entraria em outra ditadura sem prazo para acabar, como a de 1964, que, aliás, quase não acabou, pois o general Silvio Frota tentou dar um golpe dentro do golpe. O general Heleno, na época um capitão, era justamente o seu ajudante de ordens. Ex nihilo nihil fit.

As recorrência de golpes e tentativas de golpes na história brasileira sempre mantiveram tíbia a democracia brasileira, porém não é só o Brasil que está sofrendo com isso na atualidade, os EUA passaram por uma tentativa de invasão do Capitólio em 2020 e correm o risco de verem o promotor desta ação voltar à presidência. Os novos tempos nunca são iguais aos velhos, mesmo quando tentam reimplementar ditaduras, como no caso do Brasil, eles sofrem a ação de novas pessoas em novos contextos e sob o impacto neotecnológico, portanto não é tarefa fácil entender e reagir a isso em condições de vencer estes desafios impostos pela ‘Era da Informação’, onde a produção, o desdobramento e a circulação das notícias acontece em escala industrial. O Brasil é um país que há pouco tempo era basicamente rural, com predomínio da agriculta de subsistência, mas mesmo agora o agronegócio predomina e o seu maior ativo são as comodities. O atraso cultural do país é evidente e a sua indústria sofre descontinuidade através do tempo, ora com boom de desenvolvimento, ora com retrocessos.

Dentro do guarda-chuva bolsonarista se abrigam muitas tendências políticas de extrema-direita e uma das mais perigosas é a que tem como representantes a senadora Damares Alves e a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro (a partner de Jair Messias Bolsonaro). Esse grupo deseja um Estado baseado na Bíblia e não um Estado Laico, firmado em uma Constituição e regulamentado por Códigos Penais. A criação de uma espécie de “O Conto da Aia” (distopia da escritora canadense Margaret Atwood publicado em 1985 que mostra os EUA transformado em um Estado religioso fundamentalista, a República de Gilead)- à brasileira é uma das maiores ameaças à democracia no Brasil, com crescimento vertiginoso de grupos religiosos fundamentalistas e de grupos ultraconservadores católicos avessos às desinclusões promovidas pelo Papa Francisco. É um mundo delirante e convulsionado por crises sucessivas e a democracia não é mais unanimidade, pois a lógica das coisas, como a Terra é redonda, por exemplo, não baliza mais as opiniões e os discursos. Lula continua enfrentando uma alta resistência entre os evangélicos -a última pesquisa Ipec confirma isso- e para a Grande Mídia, mesmo tendo sido inocentado, ele continua, tacitamente, um condenado, porque o “espírito lavajatista” segue militante, muito embora pulverizado.

Vinicius Todeschini 07-03-2024

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