Sem guerra não há paz
As luzes dos drones e mísseis sobre o céu de Israel, no ataque feito pelo Irã, criaram uma espécie de espetáculo ao se chocarem com o ‘Drone de Ferro’ das defesas antiaéreas israelenses que, por ironia, remete aos mesmos céus de épocas festivas, com o colorido dos fogos de artifício. O espetáculo de ferro e fogo trazem o horror da destruição real e prenunciam o fim definitivo da paz na terra e dos homens de boa vontade.
Os últimos acontecimentos no mundo apontam, não só para os perigos de um conflito mundial de proporções apocalípticas, mas, principalmente, para velhas estruturas que sustentam um equilíbrio pernicioso e frágil. No entanto, esta balança que sustenta desigualdades e coloca em cada prato pesos diferentes querendo resultados iguais, só existe porque mantém altas margens de lucro para os senhores das armas, arquimilionários da indústria da morte. A guerra é um produto da paz, disseram Raul Seixas e Marcelo Motta na canção, “Eu sou egoísta”, influenciados pelo “inimigo pacífico de todas as restrições”, Max Stirner. O mundo sempre caminhou sobre uma linha perigosamente tênue, porém o mundo era grande e agora, diante das novas tecnologias de guerra, se transformou em teatro pequeno para tantos confrontos bélicos. A natureza está ameaçada pelas criações monstruosas do homem e tudo pode estar por um triz.
O mundo, reiteradamente, escolheu a guerra, nunca houve plenitude para a paz e John Lennon morreu pela mão de um homicida pedindo uma chance para ela: “Give peace a chance”. Tudo que temos é esta dualidade mantendo o mundo em permanente tensão. Nem mesmo o samba, “Canto das três raças”, de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro; “E de guerra em paz, de paz em guerra/Todo povo dessa terra/Quando pode cantar/Canta de dor”, pois a guerra e a paz sempre estão acontecendo ao mesmo tempo em lugares diferentes. Os ensaios para a guerra, como agora estão fazendo Israel e o Irã, apenas confirmam o espírito beligerante que guia as ações de muitos líderes mundiais. As luzes dos drones e mísseis sobre o céu de Israel, no ataque feito pelo Irã, criaram uma espécie de espetáculo ao se chocarem com o ‘Drone de Ferro’ das defesas antiaéreas israelenses que, por ironia, remete aos mesmos céus de épocas festivas, com o colorido dos fogos de artifício. O espetáculo de ferro e fogo trazem o horror da destruição real e prenunciam o fim definitivo da paz na terra e dos homens de boa vontade.
Se a estranheza é uma marca do sagrado, qual seria marca do profano? Quando a polícia ostensiva invade, agride e mata pessoas descumprindo leis que ela mesma representa e é protegida pelo Estado de receber sanções iguais a que qualquer criminoso, o que pensar disso? O corporativismo é uma criação das superestruturas, mas ele pode inviabilizar o funcionamento do próprio Estado, fazendo com que se convulsione e se fragmente. Quando as partes se voltam contra o todo, sistematicamente, a sociedade perde a coesão e o rumo e nesse mundo só ficam ricos os burgueses que dispõe de capital, porque a soma do seu capital, mais a força de trabalho dos seus trabalhadores, é a condição para multiplicar os seus ganhos e a sua fortuna. Em épocas errantes os privilegiados acumulam ainda mais vantagens e em períodos de menos injustiças os privilégios não são revogados, nem são compensados aqueles que acumularam ainda mais prejuízos.
Todas as estruturas e superestruturas criadas pela burguesia não são suficientes para explicar as guerras incessantes através dos tempos. O acúmulo de injustiças soterraram há muito tempo qualquer possibilidade de real reparação aos injustiçados. As cartas de Freud a Einstein, onde o fundador da psicanálise explica ao gênio da física a sua descrença na superação da agressividade humana, mesmo não sendo uma questão fechada, refreia o ímpeto idealista de buscar uma causa material para ela. A própria constatação, que os mais agressivos é que chegam ao poder e não os mais sábios, testifica a impossibilidade de que o conhecimento desta condição seja suficiente para superar esta contradição. É como se em volta de uma fogueira remota os ancestrais estivessem reunidos para discutir o futuro da comunidade, mas a melhor solução, apontada por um deles, não prospera porque, simplesmente, ele é assassinado pelo mais ambicioso e cruel do grupo para tomar o poder. Representação e realidade se confundem aqui e, ao contrário do que afirmou Aristóteles, a vida imita a arte, como disse Oscar Wilde.
A união do poder político com o poder financeiro, meramente mercenário e acumulativo, está levando o mundo a um ponto irreversível e o domínio de um pequeno grupo poderoso e endinheirado sobre a maioria, aumenta a descrença de que os homens possam superar os seus instintos mais agressivos. Esta impossibilidade torna impraticável todas as possíveis soluções apontadas pelos “bem intencionados” que formularam respostas sobre o tema, todas próximas e assemelhadas. Não há, simplesmente, como separar a humanidade em agressivos e pacíficos, em beligerantes e pacifistas, porque a evolução cultural do homem e o temor da destruição total não são suficientes para acabar com a maior das ameaças: a guerra de todos contra todos. Sem guerra não há paz possível no mundo, pois onde existe paz, se abstrairmos ‘a violência nossa de cada dia’, algum inimigo foi derrotado antes e, enquanto não houver outro tão poderoso que promova outra guerra, “a paz” seguirá como sempre: frágil, impermanente e localizada. A verdade absoluta só serve aos crentes em seu fanatismo cego, de resto tudo é ambiguidade. Nesta arena onde as verdades esgrimam contra os fatos não há saída pela direita ou pela esquerda, o real e o ideal são irreconciliáveis e só se encontram brevemente na aurora de um novo tempo, pouco antes do crepúsculo.
Vinicius Todeschini 18-04-2024