Crónicas do Brasil | 26-04-2024 07:00

O passado nos condena

Vinicius Todeschini

A falta de maturidade das instituições democráticas, que deveriam se equilibrar no bom senso e na equidade das coisas, deixa muitas brechas nos mecanismos da Justiça, que advogados espertos continuarão explorando. É preciso aperfeiçoar esses expedientes sem cair na esparrela autoritária dos falsos moralistas, que hoje são maioria no Congresso Nacional.

A declaração do ministro Alexandre de Moraes no Senado: “antes das redes sociais éramos felizes e não sabíamos” repercutiu, porém não há nenhuma explicação para dar conta da inversão de valores que estamos vivendo, no entanto, as redes sociais refletem o que as pessoas são, mas o upgrade dos manipuladores, que ganham muito dinheiro com isso, tornou profissão. Estas queixas generalizadas contra a terrível fase porque passa a humanidade lembram muito as frases iniciais da canção de Paul McCartney, Yesterday: “All my troubles seemed so far away/Now it looks as though they’re here to stay”. Quando um novo tempo chega não há mais como manter o velho discurso e as mesmas posturas e a Era da Informação já colocou as suas cartas na mesa, não há mais como negar os fatos. “Tudo demorando em ser tão ruim”, como disse Caetano Veloso no samba, “Desde que o samba é samba”, afinal, “a tristeza é senhora” e “tristeza não tem fim/felicidade sim”, escreveu Vinicius De Moraes. Pessoas de outra época, como Vinicius, não suportariam viver agora e constatar a destruição de tudo que lhes era tão caro, mas a entropia das coisas segue sempre em frente e não há nada que se possa fazer, só podemos resistir, mesmo sendo inútil.

Um novo comício da extrema-direita, agora no Rio de Janeiro, apresentou discursos dignos de passarem para a posteridade de alguma ala do "Museu dos Horrores da Humanidade". A farta munição dada por Elon Musk em seus ataques ao STF, nomeadamente ao ministro Alexandre de Moraes, foi utilizada à exaustão pelos extremistas, principalmente por Bolsonaro. A liberdade de mentir impunemente e de destruir tudo, simplesmente porque a democracia não agrada a um segmento da sociedade, justamente o que tem mais poder econômico e deseja ter o poder total sobre todos, é o que move tudo isso. Uma nova forma de escravidão, agora pautada pelo fundamentalismo cristão, para manter em “rédea curta” todos os diferentes e todos os desiguais, é o que está dentro deste escopo de “liberdade”, defendido pelos extremistas, onde não haverá mais espaço para quem deseja igualdade social. A mentira começa pelo número de pessoas presentes ao evento, os organizadores afirmaram que foi mais de cem mil, mas os resultados apresentados pelo “Monitor do Debate Político, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP”, coordenado por Pablo Ortellado e Márcio Moretto, confirmou 32,750 pessoas em seu auge, por volta do meio-dia. Por uma dessas e tantas outras que a extrema-direita odeia a ciência.

A democracia está sendo atacada porque o passado nos condena, pois em seus melhores anos, quando era necessário avançar ainda mais e dar consistência institucional ao progresso social, muitos líderes se renderam ao neoliberalismo, que está destruindo o planeta. Foram criadas superestruturas, como a globalização, que acabaram com as fronteiras da exploração do trabalho pelo capital, drenando assim, gradativamente, o poder das organização globais que poderiam ajudar a conter o avanço pernicioso de grupos baseados apenas na ambição, na ganância e, principalmente, no ódio total a qualquer oposição a isso. Um paradoxo brasileiro é o antilavajatismo e neolavajatismo, dificultando uma visão mais lúcida sobre o Judiciário e acentuando a divisão. A falta de maturidade das instituições democráticas, que deveriam se equilibrar no bom senso e na equidade das coisas, deixa muitas brechas nos mecanismos da Justiça, que advogados espertos continuarão explorando. É preciso aperfeiçoar esses expedientes sem cair na esparrela autoritária dos falsos moralistas, que hoje são maioria no Congresso Nacional.

Ouvir os discursos dos extremistas é sempre muito desagradável, porque estão o tempo todo inventando, lubridiando, manipulando, mistificando e usando todo tipo de artifício para manter o lumpesinato que os segue ao seu dispor. Os deputados Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer, a dupla mais virulenta da extrema-direita atual, abusou da bizarrice, o primeiro afirmando que o Brasil precisa de homens com mais testosterona e o segundo se dirigindo diretamente a Elon Musk em inglês, como se ele fosse o salvador da pátria. A subserviência aos norte-americanos e aos seus valores, deste setor da política brasileira, seria constrangedor em uma sociedade equilibrada e lúcida, mas não é o nosso caso, atualmente. O grande ídolo de pés de barros dos extremistas, une tudo que eles idolatram; riqueza, arrogância e estupidez, por isso continuará recebendo loas dos extremistas e Bolsonaro, agora um conciliador... não se cansa de pedir anistia aos golpistas e de elogiar o empresário sul-africano, a quem chama de “mito da liberdade”. Sabujos!

É preciso se salvar, mas a tarefa mais árdua é se salvar de si mesmo, porque para isso é preciso mudar e mudar não é brincadeira não. O mundo chegou ao ponto em que estamos pela iniciativa de poucos e a omissão da maioria, por aqui não é diferente, mesmo que o apresentador do “Real Time With Bill Maher”, Bill Maher, tenha dito que a democracia brasileira está mais aperfeiçoada que a americana, pelos golpistas brasileiros terem recebido punições e os americanos não, mas, na verdade, o Brasil se notabilizou por deixar impune muitos criminosos e por punir desproporcionalmente pessoas desassistidas, então não é à toa a falta de credibilidade da população -que não participa das decisões- aos que estão no comando. O atual governo está quase refém de um Congresso reacionário e truculento e precisa acordar para o fato que a utilização de velhos métodos não funciona mais, é preciso reinventar a Esquerda brasileira.

Vinicius Todeschini 25-04-2024

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